sábado, 5 de junho de 2010

S.O.S.

"Só é possível ensinar uma criança a amar, amando-a".
À primeira vista, este pensamento de Goethe soa a dado adquirido. Mas basta ler os jornais todos os dias para saber que a realidade não é bem assim.
Vejamos o Dia Mundial da Criança, celebrado na passada terça-feira. Se calhar, poucos se aperceberam de que, por entre balões e palhaços, no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), em Lisboa, era inaugurada uma sala para "receber" crianças vítimas de abusos sexuais.
Objectivo? "Atenuar o sofrimento causado às crianças e o trauma de serem ouvidas numa investigação criminal", explicava o DIAP. Crianças essas - vergadas já pela vergonha e pela dor - que são ouvidas, em média, oito vezes durante o processo.
O Estado, que se arroga de progressista e humanista, não pode permitir que, todos os dias, duas crianças sejam vítimas de crime em Portugal. Não pode fazer de conta que, só no último semestre do ano passado, mais de duas mil crianças tenham sido vítimas de negligência. Não pode compactuar com uma Justiça que deixa agressores à solta e as vítimas entregues a uma melhor sorte. À sorte de terem tido outros pais. À sorte de não terem nascido em Portugal. À sorte de terem tido mais meios técnicos e humanos para sinalizar e encaminhar todas as situações.
Os elementos das comissões de protecção de crianças e jovens em risco não são deuses. Não são nem omnipresentes, nem omniscientes, nem omnipotentes. Mas, e também não o sendo, o Estado tem o dever de os dotar de recursos. Porque - e acusem-me de cliché - as crianças são a base da nossa sociedade. São o passado, o presente e o futuro. Recordemos o princípio oitavo da Declaração dos Direitos da Criança (Nações Unidas, 1959): "A criança figurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber protecção e socorro".
E quem diz Estado diz todos nós. Porque não deixa de ser chocante saber, como se tem sabido, que há gritos e estalos a irromper pelas casas dos vizinhos adentro e que há amigos a quem são confidenciados abusos de anos que pura e simplesmente nada fazem. Ou porque têm medo, ou porque acham que entre pais e filhos não se mete a colher, ou porque são uns perfeitos idiotas.
Promova-se, já, a denúncia destes casos e responsabilizem-se os cobardes. Pela Catarina (dois anos e meio, Ermesinde), pela Joana (oito anos, Portimão), pela Vanessa (cinco anos, Porto), pelo Daniel (seis anos, Oeiras), pela Maria João (sete anos, Matosinhos). Pelos que foram, pelos que são e pelos que serão.