Otelo há um ano sem receber como coronel
Otelo Saraiva de Carvalho, promovido a coronel há um ano, continua a receber vencimento como tenente-coronel. Tudo porque recorreu da sua promoção.
Otelo Saraiva de Carvalho, estratega do 25 de Abril de 1974, promovido a coronel em Julho de 2009, continua a receber vencimento como tenente-coronel, na sequência do recurso que interpôs contestando os termos da promoção.
O Estado-Maior do Exército enviou o processo há cerca de meio ano para a Caixa Geral de Aposentações no âmbito da reestruturação da sua carreira, a fim de Otelo Saraiva de Carvalho receber o vencimento de coronel.
Só que, segundo Otelo, no seu caso não se aplicará a reactivação da carreira porque nunca interrompeu o seu percurso profissional". Da parte do Exército, tudo ficou "pronto e despachado a 16 de Novembro de 2009", segundo referiu ao Expresso o porta-voz do Estado-Maior do Exército.
"Da parte do Exército, a situação ficou resolvida desde essa data, tudo o resto será com a Caixa Geral de Aposentações", acrescentou o tenente-coronel Hélder Perdigão.
Oficial durante 40 anos
É a reestruturação da carreira que Otelo Saraiva de Carvalho não aceita, porque, defende, "nunca deixei, em toda a minha carreira, de ser oficial do Exército durante cerca de 40 anos". Daí a questão não depender do Exército, pois a promoção de Otelo a coronel teve iniciativa política, limitando-se o Exército a executá-la nos termos definidos.
A razão do atraso terá a ver com a Caixa Geral de Aposentações, que ainda não processou o pagamento do novo vencimento de coronel nem os respectivos retroactivos, segundo soube hoje o Expresso.
O coordenador operacional da Revolução dos Cravos confirma a situação ao Expresso, explicando "estar o caso dependente do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, solicitado pelo Governo" já depois do seu recurso administrativo.
"Isto está a acontecer porque eu na altura refilei", disse ao Expresso.
Na origem do diferendo está o facto de Otelo Saraiva de Carvalho "não aceitar a promoção nos mesmos termos da legislação que enquadrou a reestruturação das carreiras aos militares do 24 de Abril" e que tinham visto o seu percurso prejudicado pela participação na Revolução de 1974.
Foram os casos, entre outros, de Vasco Lourenço, Melo Antunes e Vítor Alves, que, recorde-se, tinham solicitado ao Exército passagem à reserva ou à reforma
Parecer não urgente
Mas Otelo diz que a sua situação foi diferente. "Eu nunca pedi a minha passagem à reserva ou à reforma, pois estive sempre activo e, por isso, não posso ser promovido com efeitos retroactivos a Maio de 1986 quando só receberia o diferencial dos vencimentos desde o ano 2000", frisa.
"Os retroactivos têm de reportar-se a Maio de 1986, quando deveria ter sido promovido logo a coronel, no fim do processo das FP-25, do qual fui ilibado na sequência da amnistia da Assembleia da República e por iniciativa do então Presidente, Mário Soares", sustenta o militar.
Otelo Saraiva de Carvalho já abordou o procurador-geral da República a fim de esclarecer a situação, mas Pinto Monteiro explica que o parecer, solicitado pelos Ministérios das Finanças e da Defesa, não foi pedido com carácter de urgência e daí o impasse.
"Por isso, os outros pedidos de parecer à PGR vão passando à frente do meu", disse ao Expresso o coronel Otelo Saraiva de Carvalho.
"Não aceito que me 'roubem' 14 anos de carreira
"Não aceito que me 'roubem' 14 anos, ficando com um 'buraco negro' na minha carreira militar", afirma Otelo Saraiva de Carvalho em declarações exclusivas ao Expresso.
"Mesmo quando estive preso pelo caso das FP-25 eu nunca deixei de estar no activo, tendo sido amnistiado, pela Assembleia da República, já em Março de 1996, o que para efeitos de carreira corresponde a uma absolvição e, por isso, nunca foi interrompida", observa Otelo.
"O meu processo decorrente das FP-25 [grupo terrorista conotado com a extrema esquerda radical], esteve 'esquecido' 12 anos, talvez numa 'gaveta' do Tribunal Constitucional, quando toda a gente sabia ser ilegal o juiz que me pronunciou ser o mesmo que presidiu ao meu próprio julgamento. Vital Moreira também me disse que eu tinha razão", salienta Otelo Saraiva de Carvalho.
"Não existe uma questão de dinheiro mas de direito a uma carreira de 40 anos, disso eu não posso abdicar", afirma o oficial superior de Artilharia.
Imbróglio incómodo
"O imbróglio judicial era tão incómodo, para o poder político e o poder judicial, que Mário Soares, então Presidente da República, pediu que na Assembleia da República, através de Almeida Santos, então presidente, fosse aprovada uma amnistia para todos os arguidos do caso das FP-25, pois ninguém conseguia resolver aquela situação", conclui o coronel Otelo Saraiva de Carvalho.