quinta-feira, 17 de julho de 2014

O TROMPETISTA LUIS GRANJO EM ENTREVISTA AO XPRESSINGMUSIC

Fomos à Escola de Artes da Bairrada, no Troviscal, onde tivemos uma agradável conversa com o trompetista Luís Granjo. O nosso entrevistado venceu recentemente a primeira edição do Concurso Trumpetland Stars Competition 2014. Luís Granjo terá assim a possibilidade de tocar a solo, no próximo dia 21 de abril de 2015, o Concerto de Hummel para trompete inserido na série Grandes Clássicos do Auditório Nacional de Madrid, acompanhado pela Orquestra de Santa Cecília dirigida por Kynan Johns. Iniciou a sua formação no Conservatório de Música de Aveiro, prosseguindo mais tarde os seus estudos na ESMAE. Abraça a carreira de performer juntamente dom a de docente integrando atualmente, como trompete solista, a Orquestra Sinfónica do Porto e enquanto docente o Conservatório de Música do Porto e a Escola de Artes da Bairrada.
XpressingMusic (XM) – Queremos, em primeiro lugar, dar-te os parabéns pelo prémio alcançado na primeira edição do Concurso Trumpetland Stars Competition 2014. O que significou para ti ter o 1º Golgen Star – Fundação Excelentia em Espanha?
Luís Granjo (LG) – É mais um prémio... Como já não estou em idade de concorrer a concursos internacionais, esta foi uma oportunidade que vi e onde tive a sorte de sair vitorioso. Uma das razões que me levou a participar foi precisamente o prémio constituir-se na possibilidade de tocar a solo o concerto de Hummel, no próximo dia 21 de abril de 2015, inserido na série Grandes Clássicos do Auditório Nacional de Madrid, acompanhado pela Orquestra Clássica de Santa Cecília dirigida por Kynan Johns. Nos tempos que vivemos tornam-se muito escassas oportunidades como estas. As oportunidades não são escassas pela qualidade dos nossos músicos pois considero que atravessamos um bom momento de evolução. Deve-se sim a esta crise financeira... Estamos ainda a atravessar um momento ascendente no que à qualidade diz respeito. Há países que estagnaram. Basta olhar para os prémios que os músicos portugueses têm conquistado e para os inúmeros músicos que são convidados para tocar lá forma para constatarmos esta evidência.

XM – Se olharmos para esta zona em que nos encontramos hoje a fazer esta entrevista verificamos que, no mundo, não devem ser muitos os países que têm tantas escolas do ensino artístico com uma tão grande proximidade. Isto leva-nos a concluir que está a ser feito um grande trabalho e estão a ser dados grandes incentivos ao ensino artístico. Será que no restante ensino, a escola também está a fazer a sua parte no que concerne à formação de públicos?
Luís Granjo
LG – Eu penso que muitos destes alunos que estamos a formar nas escolas do ensino artístico irão ser público no futuro. Não podemos ter a ilusão de que estamos formar somente artistas. Penso que é utópico estarmos a pensar que todos estes alunos vão ser músicos. Já será uma grande vitória se muitos destes alunos vierem a ser público. Sobre isto tenho uma opinião muito pessoal... Não sei se há mais gente a pensar como eu mas penso que as escolas, academias e conservatórios deveriam criar um currículo para quem quer estudar música numa vertente mais amadora e outro mais exigente para aqueles que ambicionam ter a música como profissão. Poderia gastar-se menos dinheiro com estes alunos que estudam música numa linha mais amadora. Em contrapartida deveria investir-se mais dinheiro e mais tempo naqueles que desejam estudar mesmo música para no futuro a encararem profissionalmente. Assim, estes poderiam ter mais horas de instrumento ou até de outras disciplinas que viessem a enriquecer ainda mais as suas performances.

XM – Estudaste no Conservatório de Música de Aveiro de Calouste Gulbenkian. Há algum, ou alguns nomes que te tenham marcado mais durante este período da tua formação?
LG – Ao nível do instrumento, o professor Kevin Wauldron foi alguém que desenvolveu muito em mim aquele "bicho" que já existia... Mas houve outra pessoa no Conservatório de Aveiro que fez muita diferença na minha vida. Falo do professor Fernando Valente. Pertenci à orquestra ligeira que ele dirigia e ele era uma personagem altamente motivadora. Ele moldou muito em mim o gosto que eu já tinha pela música.

XM – Como ainda agora referiste, quando foste para o Conservatório a música e aquilo que irias fazer dela já estava muito marcado e decidido. Isso derivou do facto de teres nascido numa família em que a música sempre esteve muito presente?
LG – Sim, também. O meu bisavô foi fundador da Banda do Troviscal e o meu pai foi o fundador da banda do Troviscal no formato que ela hoje assume, ou seja, União Filarmónica do Troviscal. Ainda hoje faço parte desta Banda. Portanto, as minhas influências, para além de familiares, vêm das Bandas Filarmónicas. Aqui na zona Centro é indiscutível a sua força e o seu papel na formação de músicos. As Bandas tiveram e ainda têm um papel muito importante na formação dos jovens. Tenho pena que ao nível dos apoios do Estado, não se passe para um nível diferente. Não falo somente de apoios monetários mas também na criação de condições, de participação em eventos e de divulgação do trabalho que em Portugal se realiza neste âmbito. Seria muito importante mostrar o que o nosso país produz neste contexto das Bandas Filarmónicas. Isto é muito importante, não ficando os apoios somente pela criação do "dia das bandas filarmónicas" e pelo assumir que as Bandas são associações de relevante interesse público, etc., etc...

XM – A escolha da ESMAE (Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo) deveu-se a alguma procura tua em concreto?
LG – Ao mesmo tempo que estudei na ESMAE, no Porto, fiz também Engenharia Mecânica em Coimbra. Na altura ainda não havia muitas escolas de música de nível superior... O professor Kevin Wauldron dava lá aulas e isso também teve o seu peso. Um certo dia ele perguntou-me o que é que eu queria exatamente, e foi nessa altura que decidi que era com a música e com o trompete que iria ganhar a minha vida.

XM – Para além deste prémio mais recente, há outros que recordes com maior carinho?
LG – O Prémio Jovens Músicos é sempre importante. Embora não tenha vencido, ficando em segundo lugar, considero este muito importante. Outro concurso em que tive a honra de participar, ainda muito novo, foi num festival de bandas onde me destaquei enquanto solista. Foi muito positivo essencialmente pelas palavras que ouvi do júri que me deram muito ânimo para continuar a minha caminhada enquanto músico.

Luís Granjo
XM – Já foste 1º trompete da Orquestra Metropolitana de Lisboa, da Orquestra da Federação Académica do Porto e da Orquestra de Jazz de Matosinhos. Como funciona todo este processo de escolha dos músicos? Muita gente não sabe como são escolhidos os músicos para as orquestras...
LG – Para a Orquestra Metropolitana de Lisboa fiz provas. Entrei eu e o atual 1º trompete. Na altura era o Maestro Graça Moura que estava à frente da Orquestra. Após um período de experiência ficou o Sérgio Charrinho. Para a Orquestra da FAP, também fiz provas. Na altura era o Prof. Saiote que estava à frente da Orquestra e toquei nesta até que esta terminasse.

XM – Acabaste também por tocar na Orquestra de Jazz de Matosinhos. O jazz é também uma paixão?
LG – Não... Não sou músico de jazz. Não sei improvisar. Respeito muito os músicos de jazz e o seu talento. Acho fantástica a capacidade de improvisar. Na ESMAE fiz música de câmara na Big Band com o Prof. Carlos Azevedo e na altura ainda não havia o curso de jazz. Gostei muito que na altura o professor Carlos Azevedo me tivesse desafiado para ser 1º trompete, que é justamente o que não improvisa (risos)... Para mim foi uma experiência muito rica. Aprendi muito com colegas que hoje fazem carreira no Jazz, tais como a Susana Santos Silva, o Zé Bacalhau, o Rogério... Hoje em dia a Orquestra de Jazz de Matosinhos tem um currículo invejável. Houve um dia em que o Carlos me veio perguntar se eu não queria aprofundar os meus conhecimentos ao nível do jazz e eu disse-lhe que não pois acabava de entrar para a Sinfónica do Porto.

XM – Para além da parte performativa, acabas por ter a tua vida muito ligada à parte pedagógica. Em Portugal, dar aulas é uma necessidade para um músico?
LG – Em primeiro lugar, acaba por ser uma obrigatoriedade para ganharmos dinheiro no final do mês e fazermos face às nossas responsabilidades. Na minha vida, a partir do momento em que entrei para a Orquestra Sinfónica do Porto, deixei de sentir essa necessidade. Deixei de dar aulas em alguns sítios até porque precisava de tempo para me dedicar à minha profissão. Acredito que haja colegas que dão aulas mesmo por necessidade pois é difícil viver-se da performance em Portugal. As poucas aulas que leciono atualmente, são algo que me dá prazer. Gosto de passar a mensagem. Sempre gostei. Fui um dos professores da fundação da Banda do Troviscal, logo, comecei a dar aulas aos 14 ou 15 anos. Gostei muito desse período e hoje sou reconhecido pelos meus colegas da banda que me agradecem o facto de ter partilhado com eles aquilo que sabia na altura. Hoje em dia, no Conservatório de Música do Porto, também tenho tido algumas boas recompensas de alguns alunos a ganharem prémios e a seguirem uma vida profissional e aquilo que eu espero é que todos eles consigam ser melhores do que eu. Esse é o objetivo final.

Luís Granjo
XM – Participaste em vários cursos e master classes. Dessas passagens, realças algum nome de algum mestre com o qual te tenhas cruzado?
LG – Todos os nomes que eu coloco no meu CV foram importantes para mim. Aprendem-se sempre coisas importantes pois todos os músicos têm 2, 3, 20, 1000 mensagens que podem ser úteis. Tento sempre captar o máximo. Há principalmente dois nomes que me ajudaram e continuam a ajudar todos os dias. Pierre Dutot que hoje em dia é professor reformado e ainda agora na preparação deste concurso me recebeu em sua casa para me dar algumas aulas. É uma pessoa formidável, um pedagogo excelente. Aconselho todo e qualquer trompetista que queira fazer carreira a ter aulas com o Pierre Dutot. O outro nome é John Aigi Hurn que é o trompetista principal da Orquestra da Corunha. Este despertou-me para vários aspetos relacionados com a preparação de reportório para orquestra. John Aigi Hurn teve uma influência muito grande na minha maneira de tocar e na minha forma de me preparar também.

XM – Já lecionaste na Academia de Música Gualdim Pais, no Conservatório de Águeda, no Conservatório de Música de Coimbra e na Escola Profissional e Academia de Música de Viana do Castelo. Isto ocorreu tudo em simultâneo? É que estamos aqui a visionar uma grande dispersão geográfica... (risos)
LG – Em algumas dessas escolas, lecionei em simultâneo. Eu iniciei a minha carreira docente no Conservatório de Águeda e na Academia de Música Gualdim Pais em Tomar. Vivi sempre no Troviscal e a partir do momento em que entrei para a Orquestra no Porto passei a viver em Aveiro. Hoje em dia dou aulas no Conservatório do Porto, toco na Orquestra Sinfónica do Porto, leciono aqui no Troviscal e vivo em Aveiro. Isto obriga-me a uma certa "ginástica" mas enquanto eu considerar que estou a contribuir para o desenvolvimento das classes das escolas onde estou... É uma agenda preenchida mas que se consegue fazer... acho eu (risos).

XM – Quanto a projetos para o futuro... Há alguma coisa qua ambicionasses fazer e que ainda não tenhas feito?
LG – Sim. Por exemplo a edição de CD's com projetos próprios e a criação de um programa de trompete para o Conservatório que tenha também o meu cunho pessoal. Estou também a tentar, e espero conseguir em breve, prosseguir os meus estudos fazendo um doutoramento. Não tenho mestrado. Ainda estive matriculado em Aveiro mas por uma questão de agenda não o acabei. Neste momento existe uma forte possibilidade de ir fazer a Bruxelas o meu Doutoramento. Acho que é importante, não só para o Currículo mas também para a minha própria motivação. Já são bastantes projetos... (risos). Mais projetos... tocar mais a solo...

XM – E compor? Já te passou pela cabeça compor reportório para trompete? Tens estreado peças para trompete?
LG – Não (risos). Não sou compositor, sou intérprete. Mas já lancei desafios a alguns colegas para comporem para trompete, por exemplo o Luís Cardoso, que conheço desde criança, mas ele não tem tempo... Vou continuar a insistir com ele pois gosto muito da música que ele faz. Também tenho pedido aos colegas de escola, como por exemplo o Nuno Figueiredo que ainda agora ganhou um prémio de composição. Quanto a estreias, posso referir que estreei na WASBE em Taiwan, com a União Filarmónica do Troviscal, um Concerto para Trompete. Há dois anos o Luís Cardoso dedicou-me uma obra na Academia de Metais que se realizou na Casa da Música.

XM – Muito obrigado por nos teres recebido aqui na Escola de Artes da Bairrada, à qual também agradecemos a cedência do espaço.
LG – Também eu agradeço e desejo-vos a continuação de muito e bom trabalho.

Retirada daqui