quinta-feira, 19 de junho de 2014

AS TRÊS SÍLABAS DO NOSSO REMORSO

Vivemos de felicidades pequeninas, e inventamos esses instantes com a intuição secreta de que são precários e fugazes. Pouco temos a que nos pegar

Os amigos ou aqueles que estimamos vão-se embora, para outros sítios ou para sempre, encerrando o anel que parecia ligar-nos. 

Agarramo-nos, com o desespero de quem nada tem a perder e nada tem a ganhar, ao gosto de uma palavra, a um sonho ou, até, a um jogo de futebol, criando a ilusão de que somos felizes. 

Mas é sempre uma felicidade pequenina, e nós sabemo-lo com a noção dessa fatalidade irrevogável. Fomos alguma vez grandes? Inculcam-nos a ideia de que sim. Mas grandes para quem? Fomos nas caravelas, criámos um leito de nações deitando-nos com tudo o que era mulher. Talvez a nossa grandeza resida aí: no gosto e no apreço pela mulher.

Tudo o que trouxemos e roubámos foi para os outros. É sempre assim. Jorge Brum do Canto, aquele realizador de cinema de que já ninguém fala, sequer levemente, disse-me, um dia, no Botequim da Natália, que somos o mesquinho na mesquinhez: pequeninos e queremos e gostamos de o ser. Precisamos de ídolos, ídolos?, que completem a nossa incompletude. Agora, neste mesmo instante, é o Cristiano Ronaldo, que se passeia num Lamborghini para satisfazer a nossa inveja. 

Ele é a nossa vingança momentânea, também ela momentânea e precária, enchemos as praças públicas, transferindo para ele as nossas frustrações e as nossas derrotas. Perdemos. Levámos uma cabazada, e o inchaço da pequenina esperança, tudo pequeno sempre muito pequeno, esvaziou-se como um balão. Lá vamos, cantando e rindo, diz o hino mentiroso. Lá vamos.

Depois, esquecemos tudo. Até a miséria esfarrapada do nosso esfarrapado viver. Protestamos sem ira nem cólera. Protestamos com estribilhos e dizeres em cartazes, e vamos à vida que se faz tarde. Somos o Mundial! Gritam as televisões, todas as televisões, durante todo o dia, e enviados especiais embevecidos, comentadores severos, especialistas engravatados e graves ensinam-nos as razões por que perdemos. Lá vamos, cantando e rindo. Dizia o O"Neill: "Às duas por três nascemos/ às duas por três morremos/ e a vida?, não a vivemos." 

O O"Neill é como o Pessoa: serve para explicar o aparentemente inexplicável. Lemos os jornais, os que lêem, claro!, e o fastio é tanto que só sabemos de futebol: decoramos os nomes, os lances e as jogadas, nada de mais nada. Somos assustadoramente ignorantes, iletrados contundentes, fecham-se escolas, reduz-se o dinheiro para o ensino, os miúdos vão para as aulas em jejum, e temos, temos é como quem diz..., três jornais diários consagrados ao futebol, fora o que escorre, uma multidão de programas de, sobre e com futebol e adjacências; o mesquinho na mesquinhez elevado ao quadrado.

"Se fosses só três sílabas, Portugal..."

Baptista Bastos, aqui