Os deputados aprovaram o Orçamento do Estado para 2013.
Aprovaram uma lei sem
o mínimo de racionalidade económica, sem a mais remota possibilidade de atingir
os objectivos a que se propõe e com evidentes desconformidades constitucionais.
Aprovaram a obra dum pequeno grupo de aprendizes de feiticeiro que pensam que o
truque é só fazer desaparecer o coelho sem que seja preciso fazer nada para que
ele volte a aparecer. O problema é que aqui não há coelhos, mas sim pessoas.
Sim, nessa altura vai ser precisa uma refundação. Não uma refundação do
acordo com a troika, não uma refundação das funções do Estado, não uma
refundação constitucional, mas muito provavelmente uma refundação do próprio
país. Não restarão senão escombros dum trabalho de quarenta anos de democracia.
É bem verdade, o que se fez em Portugal desde o derrube da ditadura não foi
brilhante, longe disso. Podia ter-se feito muito melhor, sem dúvida. Mas não ver
os enormes avanços, esquecer as mudanças fundamentais, negar que nunca como
nestas quase quatro décadas se fez tanto por tantos é cegueira. É crime. E
aquilo a que estamos a assistir é a um plano para arrasar todo o trabalho desses
anos.
Claro que seria preciso, seria importante, repensar as funções do Estado. Mas
como será possível ter esse debate alcançar consensos, pensar soluções, numa
altura em as pessoas vão estar nas ruas a gritar que têm fome, que não têm
emprego, que os seus filhos emigraram? Sejamos honestos: a refundação é uma
conversa oca. É uma conversa de quem já percebeu que a receita em que tanto
acreditou falhou, que cada vez que se percebia que a coisa não estava a resultar
achava que era melhor aumentar a dose. De quem está desesperado sem nada para
nos dizer ou propor. Como será possível gente que todos os minutos prova não ser
capaz de governar um país refundar o que quer que seja? Como querem que
acreditemos que pessoas que não são capazes de explicar aos nossos credores que
um país destruído não pode gerar receitas para pagar dívidas sejam capazes de
fundar o que quer que seja ?
Esta é a parte que diz respeito ao Governo. Mas voltemos aos deputados, aos
homens e mulheres que aprovaram esse crime lesa-pátria chamado Orçamento para
2013. Alguns, contra todas as evidências, pensarão que este é um bom orçamento.
São os únicos que, apesar de estarem a contribuir para todas as desgraças que se
avizinham, merecem respeito. Não se refugiam hipocritamente, como alguns, por
detrás do inqualificável argumento de que ter um orçamento é melhor do que não
ter nenhum. Ou, outros, que dizem até lhes custa muito aprovar mas não há
alternativa. Como se a morte certa fosse alternativa, como se a loucura fosse um
caminho. Também não nos tentam enganar sempre a falar do passado, como se erros
passados justificassem crimes presentes. Acreditam no que estão a fazer mas
tentam proteger-se do que possa vir a acontecer. Enganam-se. Desta vez os
portugueses não se esquecerão: a devastação social, económica e política será
tão imensa que não irá existir português que não lembrará quem foram os
representantes do povo que autorizaram o que vamos viver.
Os deputados a quem não podemos mesmo perdoar são os que sabem exactamente o
que estão a fazer. Sabem que este orçamento vai destruir o País e sabem as
consequências dos seus actos. Que dirão quando as suas convicções se
materializarem, ou seja, quando o caos se instalar? Sorrirão e dirão para os
seus amigos que já sabiam?
É verdade, o nosso sistema parlamentar, o nosso sistema eleitoral, não está
baseado na liberdade de voto dos deputados. Mas há uma liberdade que todos
temos: é a de dizer que não. E nunca foi tão importante dizer que não. Talvez
arriscando a carreira, talvez correndo riscos pessoais. Mas um homem ou mulher
que não está disposto a correr esses riscos, um homem ou mulher que não está
disposto a sacrificar-se em função da sua consciência e do mandato que o povo
lhe deu, não serve para político, não serve para representante do povo.
Estes traíram o seu mandato. Pior, traíram-se a si próprios.
E logo quando
mais precisávamos deles.
Pedro Marques Lopes, aqui