segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O BOI PELOS CORNOS


Pedro Passos Coelho surpreendeu-me

Antes de ser primeiro-ministro via-o como um político mole, muito dado a consensos, uma espécie de Guterres do PSD, e revelou-se um político teimoso, persistente e determinado.

Mesmo os que não gostam dele têm de reconhecer uma coisa: a situação desesperada em que o país estava não se resolvia com um primeiro-ministro de paninhos quentes, com medo do confronto e amante dos compromissos.

A situação é tão difícil que exige teimosia e estoicismo.

E capacidade de sofrimento.

Ele está a fazer uma coisa que nenhum político tinha feito até hoje: está a enfrentar o ‘monstro’, como um dia lhe chamou Cavaco Silva, está a tentar cortar a direito na despesa do Estado.

Durante anos e anos disse-se que o Estado tinha de gastar menos e que os portugueses viviam acima das suas possibilidades, consumindo mais do que produziam, mas ninguém fez nada contra isso.

Ou melhor: Manuela Ferreira Leite tentou-o no Governo de Durão Barroso, mas foi tão atacada (inclusive no seu partido e pelos próprios colegas de Executivo) que o seu sucessor, Bagão Félix, afrouxou o cinto.

E Sócrates ainda o afrouxou mais, com os resultados conhecidos.

Por isso, uma coisa sabemos: o caminho não era por ali.

Pode também não ser exactamente este que estamos a trilhar – mas por ali não era de certeza.

Ora, Passos Coelho e Vítor Gaspar foram os primeiros a ter a coragem de o dizer cara a cara.

E Passos tem dito coisas que custam a ouvir mas são certeiras:
– Que os portugueses têm de empobrecer (ou seja, que têm de se habituar a viver com menos);
– Que a emigração pode ser uma solução para os que não encontram trabalho cá dentro;
– Que a desvalorização cambial (leia-se alteração da TSU) era das poucas soluções que tínhamos (e temos) para recuperar competividade;
– Finalmente, que é preciso reformar o Estado Social (e rever o acordo com a troika).

Fui dos que sempre disseram que deveríamos cumprir à risca o Memorando, não só por uma questão de honorabilidade mas também de credibilidade externa.

Só cumprindo o acordo poderíamos recuperar a crédito internacional perdido.

Essa parte já foi parcialmente conseguida: o nosso esforço é elogiado lá fora, os juros baixaram, os ratings não caíram mais.

É altura, portanto, de começar a tirar proveito da ‘nova imagem’ de Portugal.

Não podíamos tê-lo feito antes, mas agora já temos moral para dizer: fizemos isto, os resultados são estes, vamos lá estudar os passos seguintes para não agravarmos as consequências mais nefastas da austeridade (sobretudo a falência de empresas e o desemprego).

E há uma coisa que se tornou óbvia: com este volume de juros da dívida (que já representa 18 vezes o que o Estado gasta na agricultura e 24 vezes o que gasta nos transportes) não vamos a parte nenhuma.

Os juros consomem-nos boa parte dos recursos que deviam ser canalizados para a economia.

A dívida é uma canga que nos impede de endireitar a espinha.

Assim não iremos lá.

Há que encontrar com calma um modo de resolver isto (que não pode ser o «Não pagamos!», como irresponsavelmente diz a extrema-esquerda, mas implicará um reescalonamento do pagamento dos juros, combinado com os credores).
Como os particulares fazem, quando combinam com os bancos uma alteração do modo de pagamento dos empréstimos.

Outro aspecto é o Estado Social.Já se viu que Portugal não tem dinheiro para sustentar este Estado Social.

Os que falam em crescimento económico, esquecem-se de dizer que a enorme quantidade de dinheiro que vai para as despesas sociais contribui para a estagnação.

Note-se que a economia portuguesa nos últimos dez anos não cresceu nada – e as despesas com o Estado Social cresceram 85%!

Portanto, há que reformar o Estado no sentido de poupar dinheiro nas áreas que se revelam os principais sorvedouros: Saúde, Educação e Segurança Social.

Como?

Não necessariamente gastando muito menos – mas cobrando muito mais.

Uma boa parte do Estado Social tem de começar a ser paga pelos utilizadores.

E aí só deve haver um limite: ninguém deve deixar de estudar por não ter dinheiro e ninguém deve deixar de ser tratado por não ter dinheiro.

Mas os que podem devem pagar – pelo menos em parte – a saúde e a educação nos estabelecimentos públicos.

Não se admite que um invidíduo com posses pague uma fortuna numa clínica privada mas, se for a um hospital do Estado, não pague quase nada.

O Estado Social deve ser para os que precisam e não para todos.

O dinheiro que desta forma o Estado deixará de gastar possibilitará que se aligeirem impostos às pessoas e às empresas – e dessa forma se dinamize a economia.

Julgo que a maioria estará de acordo com isto, se a questão for bem apresentada às pessoas.

Se o Governo disser: «Nós vamos cobrar mais nas escolas e nos hospitais a quem puder pagar, mas os portugueses também irão pagar menos impostos», muitos concordarão.

A esquerda estará contra, por razões ideológicas, mas boa parte da população perceberá.

E se Passos Coelho conseguir reformar o Estado poderá orgulhar-se de ser o primeiro chefe de Governo a ter a coragem de agarrar o boi pelos cornos.

Mas conseguirá?

P.S. – Hoje discute-se muito a forma: fulano foi desajeitado a apresentar o assunto, cicrano não falou e devia ter falado, beltrano fez a proposta fora do tempo, etc. Ora, o país precisa é que se discuta o fundo e não a forma. Quem se agarra à forma é porque não quer discutir a substância.

José António Saraiva, aqui