A VELHA MAIS VELHA
Era uma velha muito velha, muito velha, tão velha que não havia velha mais velha do que ela.
Um dia, estava a velha a ver televisão, num aparelho também muito velho, quando anunciaram que iam fazer um concurso para proclamar a velha mais velha do mundo. Todas as velhas do mundo podiam concorrer.
- Para quê tanta complicação? Já se sabe que a velha mais velha de todas sou eu.
Mas não se deu ao trabalho de concorrer.
Dias depois, começaram a desfilar, na televisão, velhas e mais velhas, algumas apoiadas a bengalas, outras ajudadas pelos bisnetos.
A nossa velha muito velha ria-se:
- Olha para aquela, que podia ser minha filha? E aquela, quando nasceu, já eu usava dentadura? E aquela, que ridícula, tão nova, a fingir que é velha?
Até que o aparelho de televisão se avariou. A velha deu-lhe uns safanões, mas o televisor não se convenceu. Continuou sem dar nem som nem imagem. Só ruídos. Estava velho.
A velha foi bater à porta de um vizinho, para continuar a ver o concurso de velhas, mas o vizinho estava a ver um concurso de misses, e não quis mudar de canal.
Então a velha, muito enervada, resolveu ir à estação de televisão, onde se realizava o concurso para apuramento da velha mais velha do mundo. Estava com curiosidade em saber quem é que escolhiam como vencedora. O azar foi que o táxi em que se meteu se enfiou por uma rua com muito trânsito e, quando a velha chegou, já o concurso tinha acabado.
Ia precisamente a sair, empurrada numa cadeira de rodas, a velhota que tinha sido proclamada a mais velha do mundo. Vinha com ramos e coroas de flores e muita gente à volta, a sorrir para as máquinas dos fotógrafos.
A velha da nossa história reconheceu-a.
- Mirita - gritou-lhe ela.
A velhota virou-se, na cadeira de rodas.
- Mirita, tu sabes que não és a mais velha. Tu mentiste ou deixaste que mentissem por ti - disse a velha.
A velhota da cadeira de rodas baixou os olhos, comprometida. À volta dela, tudo se calou.
- Eu, que fui tua professora, nunca te ensinei a mentir, pois não? - ralhou-lhe a velha.
- Não, senhora - disse a velhota, a medo, como que a pedir desculpa.
Mas de nada lhe valeu o ar de menina que cometeu uma maldade, porque a velha muito velha, ali, sem mais nem menos, diante de toda aquela gente, passou-lhe um raspanete e deu-lhe um valente puxão de orelhas.
António Torrado e Cristina Malaquias, aqui