sexta-feira, 13 de abril de 2012

SEM TRABALHO DEPOIS DOS 50

Conseguir um emprego, aprender o ofício, subir na carreira com sucessivas promoções até à prometida reforma. Era este o modelo de carreira pelo qual passaram milhares de portugueses nas últimas décadas. O célebre “emprego para a vida”. Entretanto, só no ano passado, mais de dez mil pessoas com mais de 55 anos ficaram desempregadas.

Era um emprego para a vida que estava na mente de Ana Maria Lopes quando, com 17 anos, entrou pela primeira vez na sede da Sociedade de Panificação do Barreiro, na rua António José de Almeida. Tinha passado os últimos dez anos na Holanda, onde completou o liceu, contudo em Portugal não lhe reconheceram as habilitações por causa da língua. Depois de ser admitida como administrativa, Ana Maria voltou à escola, completou o 12º ano e os gerais de administração e comércio.

Ainda se recorda do primeiro salário de 1.500 escudos. A formação que foi tendo garantiu, ao longo dos 39 anos de casa, vários aumentos salariais. Em novembro do ano passado a Panificação declarou a insolvência e os 42 trabalhadores foram despedidos - entre os quais Ana Maria, aos 56 anos.
Em 1972, Delfim Simões era o aguadeiro de uma pedreira de Alenquer, que é como quem diz o distribuidor de água de serviço.

Na Calbrita passou ainda pelas funções de cabouqueiro, mas foi como condutor de veículos pesados que fez carreira. Até ter sido um dos 42 trabalhadores abrangidos pelo lay-off que a empresa impôs, devido à crise no sector da construção. Hoje com 57 anos, vai trabalhando num pequeno terreno agrícola que tem, enquanto aguarda as decisões da administração.

Ana Maria e Delfim fazem parte de um grupo a que o sociólogo Pedro Araújo chama de “pessoas dispensáveis”. “São pessoas que ficam sem emprego num sector muito específico para o qual deixa de haver oferta. Não têm grande mobilidade geográfica porque já têm as suas raízes e redes sociais estabelecidas”, explica o investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. No fundo, são demasiado velhos para iniciarem carreiras diferentes e demasiado novos para verem na reforma uma solução.

No ano passado, existiam cerca de 75 mil pessoas com idades entre os 55 e os 64 anos em Portugal sem emprego, de acordo com o Pordata, um número que sobe imparável há uma década. Em 2010 eram 61 mil. Se incluirmos como idade mínima os 45 anos, o número fixa-se nos 216 mil. Pedro Araújo diz que “acabam por se tornar invisíveis”, escondidos atrás dos números. Com os 200 mil postos de trabalho que deverão desaparecer nos próximos dois anos, o número de “pessoas dispensáveis” só pode engrossar. Resta saber quanto.

Do império ao pijama
Ana Maria ainda se lembra quando a Panificação era um “império”. “Tinha mecânico, tinha pedreiro, pintores, tudo. Éramos autónomos em tudo, tínhamos produção de fruta cristalizada, batata frita, a produção de pão era enorme”, conta. No entanto, o “império” inaugurado em 1960 desmoronou-se, restando apenas os edifícios da fábrica e das 6 padarias, abandonados, e mais de 40 pessoas no desemprego.

Para a antiga contabilista o que se passou foi simples: “Não havendo investimento para renovar os serviços, é impossível haver continuidade de produção. Toda a gente agora faz pão nas padarias”, observa.

Desde que saiu, em novembro, Ana Maria já teve uma experiência de três meses no Centro de Saúde de Alhos Vedros, perto do Barreiro, ao abrigo de um Contrato Emprego-Inserção (CEI) do fundo de desemprego. A administrativa juntou-se aos mais de 112 mil inscritos em Centros de Emprego com mais de 55 anos. Num ano houve um aumento de dez mil pessoas desta faixa etária que se juntaram às listas dos centros.

O máximo que conseguiu ganhar foi 300 euros num dos meses. No mês passado, recebeu 180. Financeiramente não compensa, como se vê, mas para Ana Maria é uma forma de ocupar a cabeça. “Em casa não se evolui”, diz. “Há pessoas que não saem de casa, sei de colegas que não tiram o pijama, é horrível.”

Pedro Araújo refere dois tipos de pessoas nesta situação: “Aqueles que estão perto da [idade] da reforma e maximizam o subsídio de desemprego” enquanto aguardam o estatuto de pensionista, gozando contudo uma pensão mais reduzida; e “os que estão mais longe da reforma e que têm de entrar no mercado de trabalho”. O destino mais provável dos últimos, explica o sociólogo, é a entrada na construção civil, para os homens, enquanto as mulheres acabam nas limpezas. O problema é que se tratam de “pessoas com muitas competências, mas sem habilitações”. A experiência que adquiriram ao longo de décadas fazem delas profissionais competentes naquelas funções, mas a falta de anos de formação tiram-lhes competitividade aos olhos dos empregadores.
Por outro lado, os trabalhadores com muitos anos de casa acumulam muitas regalias. Para os empregadores “é mais fácil contratar mais novos, na base da flexibilidade”, nota o especialista em Sociologia do Trabalho.

E as reformas laborais, aprovadas na Assembleia da República recentemente, apontam para um agravar da estabilidade laboral dos trabalhadores mais antigos. A antiguidade, por exemplo, deixa de ser um critério para a proteção do vínculo laboral e a inadaptação passa a poder ser mais facilmente utilizada como justificação para despedimento.

Portugal conta com uma população inativa com capacidade para trabalhar superior a 200 mil pessoas, tendo aumentado 5% durante o ano passado. A faixa etária dos indivíduos com mais de 45 anos foi a que mais contribuiu para a variação, de acordo com dados do INE.

Tudo isto aumenta o dramatismo dos despedimentos nas faixas etárias mais elevadas. “O primeiro ano é o mais doloroso, porque é quando as expectativas acabam”, explica Pedro Araújo. Depois de anos integrados numa cultura empresarial muito própria há um apego em relação à própria entidade patronal, chegando a haver casos “irreais”, como classifica o investigador, de pessoas que simplesmente esperam que a empresa reabra.

Delfim encarna um destes casos. “Tenho esperança de que a empresa consiga dar a volta”, responde. Em lay-off, o manobrador de maquinaria aguarda que se cumpram os seis meses de dispensa, durante os quais recebe 520 euros da remuneração total de 790. Este mês vai ter uma reunião com a administração e não tem grandes dúvidas: vai haver proposta de renovação do lay-off, ou seja, mais seis meses em casa. A única esperança de Delfim é de que seja aceite a rotatividade do lay-off, mas nem isso é certo. No entanto não desarma e diz que só sai “em último caso”. “Foram muitos anos, quero continuar na atividade”. Na sua ótica, “a empresa podia estar mais bem organizada para fazer face à crise” na construção.

Considerações à parte, o que é certo é que a situação desconfortável que vive não parece ter final feliz à vista. E é ele próprio quem a resume melhor: “Depois de uma vida de trabalho, a empresa não teve cuidado. E agora dão-nos um pontapé no rabo e vamos embora.”

Retirada daqui