Conseguir um emprego, aprender o ofício, subir na
carreira com sucessivas promoções até à prometida reforma. Era este o
modelo de carreira pelo qual passaram milhares de portugueses nas
últimas décadas. O célebre “emprego para a vida”. Entretanto, só no ano
passado, mais de dez mil pessoas com mais de 55 anos ficaram
desempregadas.
Ainda se recorda do primeiro salário de 1.500 escudos. A
formação que foi tendo garantiu, ao longo dos 39 anos de casa, vários
aumentos salariais. Em novembro do ano passado a Panificação declarou a
insolvência e os 42 trabalhadores foram despedidos - entre os quais Ana
Maria, aos 56 anos.
Em 1972, Delfim Simões era o aguadeiro de uma
pedreira de Alenquer, que é como quem diz o distribuidor de água de
serviço.
Na Calbrita passou ainda pelas funções de cabouqueiro, mas foi
como condutor de veículos pesados que fez carreira. Até ter sido um dos
42 trabalhadores abrangidos pelo lay-off que a empresa impôs, devido à
crise no sector da construção. Hoje com 57 anos, vai trabalhando num
pequeno terreno agrícola que tem, enquanto aguarda as decisões da
administração.
Ana Maria e Delfim fazem parte de um grupo a que o
sociólogo Pedro Araújo chama de “pessoas dispensáveis”. “São pessoas
que ficam sem emprego num sector muito específico para o qual deixa de
haver oferta. Não têm grande mobilidade geográfica porque já têm as suas
raízes e redes sociais estabelecidas”, explica o investigador do Centro
de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. No fundo, são
demasiado velhos para iniciarem carreiras diferentes e demasiado novos
para verem na reforma uma solução.
No ano passado, existiam cerca
de 75 mil pessoas com idades entre os 55 e os 64 anos em Portugal sem
emprego, de acordo com o Pordata, um número que sobe imparável há uma
década. Em 2010 eram 61 mil. Se incluirmos como idade mínima os 45 anos,
o número fixa-se nos 216 mil. Pedro Araújo diz que “acabam por se
tornar invisíveis”, escondidos atrás dos números. Com os 200 mil postos
de trabalho que deverão desaparecer nos próximos dois anos, o número de
“pessoas dispensáveis” só pode engrossar. Resta saber quanto.
Do império ao pijama
Ana
Maria ainda se lembra quando a Panificação era um “império”. “Tinha
mecânico, tinha pedreiro, pintores, tudo. Éramos autónomos em tudo,
tínhamos produção de fruta cristalizada, batata frita, a produção de pão
era enorme”, conta. No entanto, o “império” inaugurado em 1960
desmoronou-se, restando apenas os edifícios da fábrica e das 6 padarias,
abandonados, e mais de 40 pessoas no desemprego.
Para a antiga
contabilista o que se passou foi simples: “Não havendo investimento para
renovar os serviços, é impossível haver continuidade de produção. Toda a
gente agora faz pão nas padarias”, observa.
Desde que saiu, em
novembro, Ana Maria já teve uma experiência de três meses no Centro de
Saúde de Alhos Vedros, perto do Barreiro, ao abrigo de um Contrato
Emprego-Inserção (CEI) do fundo de desemprego. A administrativa
juntou-se aos mais de 112 mil inscritos em Centros de Emprego com mais
de 55 anos. Num ano houve um aumento de dez mil pessoas desta faixa
etária que se juntaram às listas dos centros.
O máximo que
conseguiu ganhar foi 300 euros num dos meses. No mês passado, recebeu
180. Financeiramente não compensa, como se vê, mas para Ana Maria é uma
forma de ocupar a cabeça. “Em casa não se evolui”, diz. “Há pessoas que
não saem de casa, sei de colegas que não tiram o pijama, é horrível.”
Pedro
Araújo refere dois tipos de pessoas nesta situação: “Aqueles que estão
perto da [idade] da reforma e maximizam o subsídio de desemprego”
enquanto aguardam o estatuto de pensionista, gozando contudo uma pensão
mais reduzida; e “os que estão mais longe da reforma e que têm de entrar
no mercado de trabalho”. O destino mais provável dos últimos, explica o
sociólogo, é a entrada na construção civil, para os homens, enquanto as
mulheres acabam nas limpezas. O problema é que se tratam de “pessoas
com muitas competências, mas sem habilitações”. A experiência que
adquiriram ao longo de décadas fazem delas profissionais competentes
naquelas funções, mas a falta de anos de formação tiram-lhes
competitividade aos olhos dos empregadores.
Por outro lado, os
trabalhadores com muitos anos de casa acumulam muitas regalias. Para os
empregadores “é mais fácil contratar mais novos, na base da
flexibilidade”, nota o especialista em Sociologia do Trabalho.
E
as reformas laborais, aprovadas na Assembleia da República recentemente,
apontam para um agravar da estabilidade laboral dos trabalhadores mais
antigos. A antiguidade, por exemplo, deixa de ser um critério para a
proteção do vínculo laboral e a inadaptação passa a poder ser mais
facilmente utilizada como justificação para despedimento.
Portugal
conta com uma população inativa com capacidade para trabalhar superior a
200 mil pessoas, tendo aumentado 5% durante o ano passado. A faixa
etária dos indivíduos com mais de 45 anos foi a que mais contribuiu para
a variação, de acordo com dados do INE.
Tudo isto aumenta o
dramatismo dos despedimentos nas faixas etárias mais elevadas. “O
primeiro ano é o mais doloroso, porque é quando as expectativas acabam”,
explica Pedro Araújo. Depois de anos integrados numa cultura
empresarial muito própria há um apego em relação à própria entidade
patronal, chegando a haver casos “irreais”, como classifica o
investigador, de pessoas que simplesmente esperam que a empresa reabra.
Delfim
encarna um destes casos. “Tenho esperança de que a empresa consiga dar a
volta”, responde. Em lay-off, o manobrador de maquinaria aguarda que se
cumpram os seis meses de dispensa, durante os quais recebe 520 euros da
remuneração total de 790. Este mês vai ter uma reunião com a
administração e não tem grandes dúvidas: vai haver proposta de renovação
do lay-off, ou seja, mais seis meses em casa. A única esperança de
Delfim é de que seja aceite a rotatividade do lay-off, mas nem isso é
certo. No entanto não desarma e diz que só sai “em último caso”. “Foram
muitos anos, quero continuar na atividade”. Na sua ótica, “a empresa
podia estar mais bem organizada para fazer face à crise” na construção.
Considerações
à parte, o que é certo é que a situação desconfortável que vive não
parece ter final feliz à vista. E é ele próprio quem a resume melhor:
“Depois de uma vida de trabalho, a empresa não teve cuidado. E agora
dão-nos um pontapé no rabo e vamos embora.”
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