sexta-feira, 16 de março de 2012

ESPERTEZA SALOIA VESTE PIJAMA

Raul Proença, que foi um dos intelectuais mais activos e influentes durante as primeiras décadas do  século passado, dizia que o termo  'esperteza saloia' tem origem na 'sistemática atitude de desconfiança' dos assim denominados habitantes dos arrabaldes de Lisboa.


E chegou a contar que um juiz dizia que era hábito, em caso de conflito, o saloio consultar dois advogados, apresentando a um a sua versão e, ao outro, a do opositor, de forma a avaliar melhor as suas hipóteses.


No entanto, o pouco apreço dos alfacinhas pelos saloios, o escárnio teatral e a imagem do camponês simplório cultivador de hortas, foram introduzindo na expressão uma conotação depreciativa dirigida àqueles que se julgam mais espertos do que os outros.

É essa a razão pela qual a expressão 'esperteza saloia' é invariavelmente associada à revelação da tramóia, da mentira ou à dissimulação e ridicularização do seu autor.


Daí que, hoje em dia, a expressão seja recorrentemente utilizada para caracterizar os que pensam que fazem dos seus pares seres pouco inteligentes, sempre convencidos que, graças à benevolência destes, lhes dão facilmente a volta, ainda que à custa de atitudes que já não são deste tempo e para cujas cenas enviesadas já ninguém tem paciência.


Duc de La Rochefoucauld, moralista francês do século XVII que assumiu lugar de relevo nos salões literários de divertimento social onde introduziu o culto de máximas e epigramas, dizia que 'a melhor maneira de sermos enganados é julgarmo-nos mais espertos do que os outros'.

E por isso, independentemente de a apresentação da peça de teatro 'Pijama Para Seis' não se tratar de uma verdadeira estreia nacional no concelho, o que é facto é que não deixa de ser um evento cultural de qualidade, ao nível de tantos e tantos outros que só graças ao esforço e dedicação de uma colectividade local têm marcado presença assídua no concelho, concretamente no lugar do Silveiro, onde o raiar da aurora ainda é preenchido pelo chilrear dos passarinhos, cada vez mais livres porque nesta aldeia tão aprazível e possuída pelo silêncio já não se vêem putos com fisgas e muito menos com espingardas de pressão de ar.

É talvez por isso que as aves que para aí arribam acabam por assentar arraiais nessa aldeia perfumada pelo bosque e pelo rio, ainda que por vezes o seu silêncio seja entrecortado pelo esvoaçar ruidoso de certos passarões que por aí aparecem, mas que seria bom que resolvessem não voltar a lá pousar, porque essa é uma terra de gente sã e boa, que não gosta de espertos que retribuem com ingratidão a forma afável como são acolhidas, só porque pensam que enganam saloios da aldeia a cada pequeno almoço.