segunda-feira, 19 de março de 2012

CINCO SENTIDOS

Os ricos não demonstram ter a percepção das necessidades dos outros, ao contrário dos pobres, que parecem ter uma ideia mais apurada das emoções alheias.

Repugnância
U m artigo publicado no Journal of Medical Ethics a defender o infanticídio provocou as reacções esperadas. Os autores, Alberto Giubilini e Francesca Minerva, foram ameaçados de morte e denunciados como assassinos por terem comparado o estatuto moral do feto ao do recém-nascido. O argumento resumido é o de que nos países onde há a possibilidade de interromper voluntariamente a gravidez o infanticídio deve ser permitido, porque tanto o feto como o recém-nascido não têm o estatuto moral de ‘pessoa’.
Esparta não perderia tanto tempo com conversas: atirava os bebés que considerava ‘imperfeitos’ do precipício abaixo. Também na Roma Antiga, o pai tinha direito de vida ou morte sobre o filho. Se o rejeitasse, era enfiado num cesto e abandonado à sua sorte numa floresta. O infanticídio é defendido pelo filósofo Peter Singer, que afirma que a comunidade deve ser livre de decidir se recém-nascidos com doenças incapacitantes devem ou não viver. Só uma nota repelente: o infanticídio é legal na Holanda. Desconfio muito de argumentações radicais e defesas repulsivas sobre o direito ou não à vida. Só gostava de perceber o que querem exactamente estas pessoas.

O declínio da homofobia
N uma conversa com uma amiga, dizia-lhe que tinha a impressão de que os adolescentes de agora não ligavam nenhuma nem à orientação sexual nem à cor da pele dos amigos e colegas. Ela concordou e acrescentou, com graça, que a leitura não era responsável pela mudança, porque «os miúdos hoje não lêem quase nada». As nossas hipóteses eram baseadas, como é vulgar acontecer, em observações avulsas de ambientes conhecidos e na expressão de vontades comuns. Ou seja, podiam (e podem) estar erradas. O sociólogo Mark McCormack, num livro que publicou em Inglaterra, defende, contudo, que estaremos de facto a assistir à tendência dos miúdos entre os 16 e os 18 anos a tratar a homossexualidade como natural e a condenar o racismo. As suas conclusões foram baseadas na observação do comportamento dos alunos em escolas da mesma cidade inglesa, ao longo de seis meses, e foram recebidas com cautela por parte dos directores de outras escolas, que se deparam com casos de bullying por homofobia. Está longe de ser uma questão resolvida. Mas o próprio tema de conversa é um sinal de esperança para as gerações futuras, que parecem dedicar ao assunto a descontracção que merece.

Os ricos são maus
O que os evangelhos nos contam é verdade: os ricos são maus e os pobres são bons. Um estudo realizado nos Estados Unidos conclui que os estudantes ricos ou das chamadas boas famílias fazem mais batota, são mais gananciosos e mentem mais do que os remediados. Muitos testes foram feitos até se chegar a esta conclusão. Foram observados a conduzir, a jogar aos dados a dinheiro num computador e até foram deixados sozinhos com um pacote de rebuçados «destinado a crianças que o viriam buscar». Os ricos conduzem sem educação nem respeito pelos peões. Quando jogam a dinheiro, sem ninguém a vigiá-los, mentem nos resultados. Os rebuçados serem para as crianças não os impede de comerem o pacote todo. Os ricos não demonstram ter a percepção das necessidades dos outros, ao contrário dos pobres, que parecem ter uma ideia mais apurada das emoções alheias. Maiores recursos, mais independência e maior liberdade geram um egoísmo quase natural. As experiências confirmam a suposição difundida de que a grande crise financeira dos últimos anos tem que ver com os banqueiros e empresários ricos, que são agora oficialmente responsabilizados por um comportamento sem ética.

Um bom problema
X avier Alvarez, ex-membro da comissão de fornecimento das águas da Califórnia, é um mentiroso. É notícia porque uma das suas mentiras está a ser motivo de discussão no Supremo Tribunal de Justiça americano. Alvarez mentiu quando afirmou que fora condecorado com a Medalha de Honra do Congresso, uma das distinções mais importantes das forças armadas americanas. A mentira foi considerada uma violação da Stolen Valor Act, uma lei criada no tempo de George W. Bush, que criminaliza falsificadores de medalhas ou vulgares mentirosos. Mas o tribunal deu razão a Alvarez, que alegou que o direito à liberdade de expressão, consagrado na Primeira Emenda, também protegia a mentira. Ou seja, a lei era inconstitucional. A discussão no Supremo é complexa, mas pelo que percebo há que saber se houve algum ganho pessoal (mentir no grau académico é parecido?) e se a mentira afectou mais do que uma pessoa. O caso parece mais de gabarolice do que doutra coisa. Trata-se, no entanto, de um caso em que a bazófia é insultuosa para os heróis de guerra e para o Governo americano. Mas não são precisamente os casos de discurso ofensivo que estão protegidos pela liberdade de expressão?

Segurança e exploração
Lidar com os problemas implica encontrar a melhor solução no que existe, por vezes no próprio problema. É esta atitude conservadora que me leva a elogiar a sugestão da Obra Social das Irmãs Oblatas, que há anos lidam com o problema da prostituição na zona do Intendente e que propuseram à Câmara Municipal de Lisboa a instalação de uma safe house na Mouraria. A casa garantiria «a segurança física e psíquica» das prostitutas e funcionaria como um meio para sair da prostituição. Entendi que seria uma espécie de zona neutra em que as prostitutas podiam mudar de vida. Até aqui parecia um projecto importante. Li, contudo, também que António Costa afirmara que a casa serviria para as «profissionais do sexo» se dedicarem a uma «prática segura» da sua actividade. Se as suas declarações se confirmarem, estamos perante a criação de um bordel. Não estaremos a falar da solução de nenhum problema, mas de uma forma de legalização da prostituição que lembra a holandesa e a alemã, com as suas montras deprimentes a exibir carne para consumo. Serei uma alma antiga, mas no dia em que dissermos às mulheres que a prostituição é uma ‘profissão’ como outra, seremos um país pior.

Carla Hilária Quevedo, aqui