quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

'VOU PAGAR O CÃO A PRESTAÇÕES COM O CARTÃO DE CRÉDITO NOVO'

Portugal dos anos 90 em diante. Dinheiro para tudo. Subsídios europeus a fundo perdido.

É a época natalícia portuguesa. A década de ouro. O Pai Natal vive no Estoril. O barbudo deve ter Alzheimer e uma árvore das patacas virada para a Boca do Inferno. A Banca cede empréstimos como quem vende pensos higiénicos.

Tudo parece fácil. Empregos? "O meu amigo tem um primo que é sobrinho de uma tipa que anda enrolada com um gordo que está na REN e que andou comigo no Liceu". Carros. Casas. Poupar para quê? "O banco é já ali". Vejamos como a "classe média" se arruinou com ajuda da banca:

"Mas é mesmo necessário gastarmos tanto dinheiro no casamento? Não podíamos fazer uma coisa mais baratinha?"

"Baratinha? Pensas que sou uma das vagabundas que andam a passear lá no teu escritório?"

"Não querida... mas em relação à casa... Já pensaste?"

"Acho que devíamos optar pelo T4 de 65 mil contos"

"Não pode ser. Jamais. O meu primo João casou e comprou logo um T5. Se compro um T4 nunca mais vou ser visto da mesma forma nos jantares da Natal...e o cão? Ele precisa de espaço, chegam a pesar 35 quilos..."

"Cão? Mas nós não temos nenhum cão, tu estás doido?"

"Não temos mas vamos ter em breve. Comprei um daqueles que ainda só há meia dúzia em Portugal. Usei o cartão de crédito novo. Vou pagá-lo a prestações. O bicho chega de avião no final do ano. Este mês já paguei as duas pernas de trás...."

"E se alugássemos um andar durante uns tempos?"

"Alugar? Mas tu estás louca? Isso é coisa de pobre! Andámos nós a tirar um curso para ir viver para uma casa alugada? Está fora de questão minha querida!"

"Ok querido, que seja o T5. Também são só mais dez mil contos...

E por falar em Natal... ontem gastei quase 300 contos em prendas só para os teus pais"

"300 contos!? Compraste um cavalo? Onde foste buscar o dinheiro?"

"Calma, tirei da conta conjunta dos miúdos. Assim como assim ainda não temos filhos. A minha mãe diz que deves ter o "esperma fraco".

"BRU... (cof cof cof ) XA..."Fraco"? Eu dou-lhe o fraco....em 4 anos enchemos o T5 de putos e mudamos para uma vivenda com piscina, jacuzzi e campo de ténis..."

"Isso era maravilhoso meu amor...sempre quis ter uma vivenda com piscina daquelas que tem uma fonte com uma luz...tão romântico...dar uma queca como se estivéssemos no meio de uma catarata. E o BMW? Quando chega? Ia adorar fazer inveja à tua cunhada no dia de Natal. A ordinária veio abanar as chaves do Mercedes na minha cara o ano passado enquanto recheava o peru. Fiquei tão nervosa que deixei o anel da Cartier lá dentro. Tenho impressão que foi ela que o comeu porque nunca mais se soube dele...só pode ter sido aquela ordinária"

"Não sejas assim meu amor... já te comprei um maior para não ficares triste."

O que será que aconteceu a esta família? A culpa não é/foi só dos cortes e dos impostos...existe a responsabilidade individual de cada um. O que somos e a forma como a sociedade evolui. O Estado de graça em que nos fizeram acreditar e que optámos por manter como forma de estar é responsabilidade de todos nós.

A inveja, a incapacidade de poupar/consumismo provocada pela intromissão da banca (aliada ao Estado) na vida privada dos cidadãos e a euforia do acesso a tudo o que antes parecia vedado. O estado de embriaguez financeira em que o país, o Estado e os cidadãos se habituaram a viver levou todos à falência e ruína. A ressaca está a ser dolorosa. E será ainda pior.

Tiago Mesquita, aqui