segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A MINHA GREVE

1. Até quinta-feira nunca tinha feito greve, desta vez fiz. Trabalhei, mas fiz a minha greve.

Envergonhada talvez. Não porque pense que a greve ajudará a resolver substancialmente qualquer dos graves problemas que enfrentamos como comunidade, não porque me sinta próximo de quem a convocou, mas porque é a única maneira, neste momento, de manifestar o meu profundo desagrado pelo caminho escolhido por este Governo.

Há momentos assim na vida de todos nós. Em que circunstancialmente nos vemos junto a gente com quem não partilhamos valores, ideias, visões da comunidade, princípios políticos. Que provavelmente somos utilizados para objectivos que não são os nossos, isso nunca me preocupou.

As minhas preocupações são outras. São as que advêm de me sentir governado por pessoas que aparentemente ignoram que estão a destruir um modo de vida, uma economia, as poucas boas empresas, em troca duma quimera; que são os maiores aliados da estratégia suicida da Sra. Merkel; que pensam que atirando para a miséria e o desemprego milhares e milhares dos seus concidadãos alcançarão o que quer que seja; que falam de taxas de juro, de eficiência e de mercados como se fossem fins em si mesmos, esquecendo que estes dados têm de ser apenas meios ao serviço da comunidade; que trocam os princípios reformadores por revoluções inconsequentes.

Falam-nos, sem que lhes trema a voz, de que temos vivido acima das nossas possibilidades sem se recordarem, uma vez que seja, dos dois milhões de pobres, das muitas centenas de milhares de desempregados, dos que sobrevivem com menos de 750 euros por mês. E fazem-no sem que se dêem sequer ao trabalho de nos mostrar uma luz ao fundo do túnel, de nos mostrarem uma esperança, uma visão. Põem um ar compungido e falam-nos de desempregados, de salários de fome, de pensionista sem dinheiro para medicamentos, como se fossem apenas vitimas colaterais dum plano que, no fundo, desconhecem.

Não poucas vezes os nossos governantes parecem ser gente deslumbrada com meia dúzia de livros revolucionários lidos à pressa. Aprendizes de feiticeiro a quem só foi ensinada metade do truque: sabem fazer desaparecer as coisas, mas não conhecem a forma de as fazer aparecer.

Há quem confunda esta governação com um qualquer programa de direita. Pura ilusão. Não a minha, pelo menos.

A minha direita é a que acredita num Estado mais pequeno mas mais forte. A que recusa transformar todos os funcionários públicos em bodes expiatórios. A que não ignora que as reformas podem levar tempo, mas são sempre mais rápidas e mais justas que as revoluções que tudo destroem. A que acredita que quando são precisos sacrifícios, eles devem ser equitativamente distribuídos. A que crê que o capital nunca deve estar acima do trabalho e, muito menos, se deve sobrepor às pessoas. A que nunca se esquece que os direitos sociais foram, em larga medida e por essa Europa fora, uma conquista de governantes de direita. A que está ciente de que baixando salários não só se empobrecem as pessoas como se recua décadas no modelo de desenvolvimento. A que sabe serem as empresas privadas o motor da economia, as acarinha e não as afoga em impostos. A que não desconhece que austeridade sem crescimento apenas conduz a um buraco sem saída. A que defende a liberdade como valor acima de todas as coisas, mas que sabe que sem o mínimo de igualdade a liberdade é apenas uma ilusão. A que acredita que na essência das políticas tem de estar sempre o cidadão e que ninguém deve ser deixado para trás.

Pois é, fiz greve, lado a lado com quem não queria, consciente de que as minhas razões são diferentes, muito diferentes, das de outros que também a fizeram, mas com a esperança de que quem partilha as minhas convicções também fez ou, pelo menos, teve vontade de fazer. Estou convencido de que o meu acto de pouco serviu, mas sinto-me muito mais aliviado.

2. O conflito institucional entre o Presidente da República e o primeiro-ministro promete atingir níveis insustentáveis. Na última sexta-feira, a propósito da hipótese de o BCE poder assumir o papel de credor de último recurso na Zona Euro, Cavaco Silva disse que "só quem revela algum desconhecimento é que receia que na situação actual possam resultar dessas intervenções perigos de inflação". Apelos constantes à concertação social, à justa repartição dos sacrifícios e ao necessário equilíbrio de austeridade com crescimento são uma coisa, outra é o Presidente da República apelidar indirectamente o primeiro-ministro de ignorante.

Não é fácil prever os próximos episódios deste conflito, mas não vai ser um espectáculo agradável.

Pedro Marques Lopes, aqui