quarta-feira, 8 de junho de 2011

AINDA OS DETALHES

1. Abafado pelo ruído das televisões, ninguém ouviu o suspiro de alívio dado em Belém quando se conheceram os resultados eleitorais.

Ao contrário do que se chegou a temer, do plebiscito emergiu uma base parlamentar para um governo de maioria, suficientemente sólida para nem ficar dependente dos humores de pequenos grupos de deputados.

Numa avaliação não ideológica, esta situação é, à partida, boa para o país. Se o PS confirmar a abertura anunciada por Sócrates, parecem estar reunidas condições para pôr em prática, sem grandes sobressaltos, as medidas mais urgentes do memorando de entendimento (MdE) com a troika. É aí, mais do que em qualquer outra dimensão do programa que o novo governo venha a apresentar, que se joga a reaquisição da reputação do país.

2. Mais do que a composição do elenco governamental, a grande incógnita tem nome: Pedro Passos Coelho. Considerado ingénuo e "muito tenrinho" em análises as mais variadas, é provável que venha a ter no seu próprio partido, como diria Churchill, os principais inimigos. Para além dos grupos de interesses com feudo estabelecido no PSD, Passos Coelho enfrentará dois outros desafios: não ceder nem à ideologia nem à ignorância. Curiosamente, tudo se pode resumir a três "is": inércia, ideologia, ignorância. A primeira é pretendida pelos poderes instalados, que querem criar a ilusão (mais um i...) de que tudo mudou para que tudo continue na mesma. A combinação dos outros dois é, porventura, ainda mais letal: avançar com alterações apenas com base em pressupostos ideológicos, mesmo que recobertos sob o manto ofuscante de rigorosas análises económicas, é perigoso quando se ignoram (ou se faz por ignorar) as potenciais consequências de certas medidas, incluindo algumas prescritas no acordo com a troika.

3. Tanto é o terreno desconhecido a pisar que alguns riscos o novo governo vai ter de correr. Uns por imposição alheia, outros por vontade própria. A preocupação com os mais frágeis, fracos e desamparados, muito presente no discurso de PPP (e, já agora, de Paulo Portas), salvaguarda um mínimo essencial de coesão social, sendo uma base de partida boa e segura. Na sua consecução, qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento da realidade portuguesa dirá que o papel das IPSS é crucial. Ora a forma como o tema do IVA e do IRC é tratado no MdE faz temer o pior para muitas destas instituições. O mesmo se diga, neste caso quanto aos pequenos comerciantes, da pretensão de compensar cortes na TSU com um aumento generalizado do IVA, ignorando que isso acabaria de os arruinar, engrossando o desemprego e contribuindo para desestruturar, ainda mais, as nossas cidades. Voltamos à microeconomia de que aqui falei na semana passada: uma coisa são os grandes enunciados, outra a forma como se materializam num quadro institucional concreto. As mesmas medidas podem ter efeitos distintos, em função do contexto. A evidência é avassaladora. Ideologia e ignorância são um par explosivo. Se houver a tentação de ignorar os detalhes estes vingar-se-ão. Tentação é a palavra certa: nos detalhes é que está o Diabo.

Alberto Castro, aqui