sábado, 30 de abril de 2011

MUDAR, MAS DE DISCURSO

Afinal Passos Coelho está rendido aos serviços públicos de saúde. O discurso anti-Estado passou a ser tendencialmente inútil.

A cinco semanas das eleições, a maior das estranhezas para um português comum é que se admita uma real possibilidade - que não é assim tão remota - de o PS ainda conseguir ganhar as eleições.

Ao fim de seis anos de governação polémica, de ditos e desditos, com a economia de pantanas que culminou no pedido de empréstimo do FMI, o PS arrisca-se a vencer a 5 de Junho ou, pelo menos, a conseguir a proeza de um empate técnico com o maior partido da oposição. As sondagens começam a ser suficientemente equívocas.

Como é que Pedro Passos Coelho não conseguiu ainda tornar-se um vencedor antecipado é um mistério para os anais da ciência política. A desorientação estratégica - muito bem apontada pelos adversários internos Paulo Rangel e Pacheco Pereira - tem sido tal que é difícil perceber o que é que o PSD defende em cada momento sobre as questões mais essenciais.

Pode-se assumir que ao fim e ao cabo não importa que o PSD defenda o que quer que seja: a verdade verdadinha é que o programa do PS e do PSD será comum e delineado, nas suas linhas essenciais, pela troika Comissão Europeia/Banco Central Europeu/FMI. Estará em causa muito mais o confronto de personalidades e estados de alma - e também foi por isto que Pedro Passos Coelho decidiu optar por vender a família como se fosse um sabonete, muito antes de vender as suas soluções para o país sem ser na fórmula vaga.

Ontem foi um dia particularmente especial nesta matéria. Enquanto um dos múltiplos think tanks social-democratas debatiam ideias para o país, da justiça à cultura, Pedro Passos Coelho foi visitar um hospital e dedicou-se a explanar as suas ideias sobre a saúde. O problema é que não se percebe sequer o que Passos Coelho quer dizer, tirando a evidente estratégia de fazer esquecer o malfadado projecto de revisão constitucional que acaba com o "tendencialmente gratuito" na saúde e na educação. Depois da mensagem da Páscoa, onde a ideia de salvaguardar os serviços públicos de saúde já era clara, ontem o líder do PSD veio dizer que o "melhor seguro de saúde é o público".

Só que, para não desiludir aqueles que contavam com o velho Passos mais liberal, decide acrescentar que o "Estado não tem de ser o único prestador de serviços de saúde". Ora, como é evidente, o Estado não é nem nunca foi o único prestador de serviços de saúde - de resto, há uma infinidade de acordos com os privados para se substituírem ao Estado neste campo, como todos os cidadãos sabem. Quem quer fazer análises de rotina raramente recorre a um serviço público. O que é que vai mudar então com Pedro Passos Coelho na saúde? Aparentemente, nada. "Não ignorámos o papel notável das Misericórdias no apoio aos mais desfavorecidos, que o Estado não conseguiria fazer sozinho", disse também Passos Coelho. Mas as Misericórdias não são invenção recente. "As pessoas devem poder escolher", disse Passos Coelho. O grande risco é que é isso que vão fazer a 5 de Junho.

Ana Sá Lopes, aqui