quinta-feira, 9 de setembro de 2010

JUSTIÇA, SIM, MAS NO SEU LUGAR

Confesse-se uma incapacidade, para começo de conversa: quem estas linhas assina não ousa afirmar com segurança que se fez justiça no processo Casa Pia - nem o contrário, já agora.

O mais sensato é não embarcar na turba que, sedenta de vingança - mesmo que pelas mais nobres razões, como o respeito pelas vítimas -, está convencida de que só se faz justiça quando há condenações.

Condenações já existem, mas não com carácter definitivo. E é aí que bate o ponto: o processo Casa Pia não acabou. Parou num apeadeiro, mas a viagem promete ser longa, a avaliar pelas movimentações dos condenados. Assim sendo, eles mantêm, por ora, o direito à presunção de inocência. Mas reconhecer a prevalência deste valor primordial em sociedades democráticas não autoriza simulacros de julgamentos perante as câmaras, como o que descambou no lamentável espectáculo do último "Prós e Contras", da RTP.

A Comunicação Social deve escrutinar as decisões judiciais? Claro que sim - é, mais do que um direito seu, um dever. Sucede que avaliar uma sentença sem conhecer a fundamentação, que há-de ser vertida no acórdão, apenas a partir dos crimes dados como provados e das penas aplicadas, é um exercício muito perigoso.

Mais perigoso ainda quando se cria a ilusão de que é possível, num programa que dura um par de horas, reconstituir factos que o tribunal andou anos a apurar, através de centenas de documentos, perícias e testemunhos. Com base em "depoimentos" de um arguido, uma vítima e um psiquiatra, entre um punhado de figuras que teceram considerações genéricas (exceptuando o bastonário da Ordem dos Advogados, que vestiu a pele de representante dos advogados dos condenados).

Uma coisa é debater os efeitos do caso Casa Pia na sociedade portuguesa, desde logo as alterações legislativas que induziu, ou mesmo questionar o tempo que demorou o julgamento. Outra, completamente diferente, é ceder à tentação de tomar o lugar do juiz. Esse é um dos piores pecados que o jornalista pode cometer - seja para ilibar ou para emitir juízos de culpabilidade. À Justiça o que é da Justiça. Melhor: Justiça, sim, mas no seu lugar.

Paulo Martins, aqui