terça-feira, 24 de agosto de 2010

ERA UMA VEZ...

DOIS VIGARISTAS

Vivia na rua mais pobre e mais sombria de uma cidade da Ásia um homem chamado Zahil, que era muito preguiçoso. Ela e a mulher, não menos amiga de pouco fazer do que o marido, nunca se tinham disposto a aprender uma profissão ou, a bem dizer, a única profissão que sabiam era a de pregar más partidas aos camponeses e aos lavradores ricos, que passavam pela cidade. Tinham, realmente, fama de vigaristas e não menor proveito.

Sucedia, às vezes, que Zahil e Samam, assim se chamava a mulher, à falta de engenho ficavam com a barriga vazia.

Ora foi numa dessas ocasiões que nós os encontrámos, no princípio desta história. Dizia a mulher:
- Não podemos continuar assim, Zahil. Ou tu inventas uma grande partida, que nos traga muito dinheiro, ou vamos começar a fazer como os outros, que chegam ao fim do dia e têm com que encher o caldo da panela.
- E que fazem os outros? - perguntou Zahil, bocejando.
- Ora que fazem?! Fartam-se de trabalhar, pois então!
- Ui! Disso estás tu bem livre - e Zahil saltou da cama e saiu sem dizer ao que ia.

Voltou, passado tempo, com uma gaiola. Dentro da gaiola, no mesmo poleiro, vinham dois periquitos verdes, iguaizinhos. A mulher zangou-se:
- Então tu andas a gastar o último dinheiro que temos com luxos.

Zahil, com um ar misterioso, respondeu:
- E não é tudo. Vai ao mercado e compra umas galinhas gordas, arroz e especiarias. Com elas faz uma boa tachada, enquanto eu passo pelo largo da cidade. Quero convidar alguns amigos e conhecidos para jantarem connosco.

Samam achou que o marido estava doido e disse-lho. Então Zahil, rindo-se da maroteira que ia pregar, deu algumas instruções em segredo à mulher e saiu para a rua, com um dos periquitos no bolso do albornoz. O outro passaroco ficou sem companhia, a protestar, no poleiro da gaiola, o seu desamparo.

Na principal praça, onde se reuniam os mercadores mais ricos da cidade, para tratarem dos seus negócios, Zahil abordou um dos comerciantes e perguntou-lhe, sem cerimónia:
- Quer vir jantar a minha casa?

O interpelado, que mal conhecia Zahil, estranhou o convite, mas o finório não lhe deu sequer tempo para pensar e acrescentou:
- Se quiser, eu digo ao meu periquito para avisar a minha mulher que temos mais um conviva - e mostrou o passarinho, preso na mão.

Outros mercadores, que isto tinham ouvido, acercaram-se, curiosos e divertidos. Um deles, em tom de chalaça, quis saber se, realmente, o periquito era assim tão esperto.
- Imenso, senhor. Não fosse ele e estaria pobre. Muito me ajuda o meu periquito, principalmente a fazer recados - respondeu Zahil.
- Ah! Ah! Ah! - riram-se os que isto ouviram.
- Não acreditam? Pois convido-os a virem jantar comigo. A minha mulher já deve ter chegado a casa, de forma que eu vou dizer ao meu periquito para ir avisá-la de que levo alguns amigos para o nosso jantar. Gostam de galinha de caril com arroz?

Todos gostavam.
- Então, amigo, vai dizer à tua dona para preparar uma grande tachada de galinha com arroz. Quando chegarmos, quero tudo pronto. Vai! - e Zahil largou o periquito, que, vendo-se, tão de súbito, em liberdade, voou para onde muito bem quis.

Muito espantados ficaram os convidados, quando, ao entrarem em casa de Zahil, viram a mesa posta como para um banquete. Passava no ar um cheirinho a caril que regalava...
- Sentem-se, por favor, ilustres senhores - disse-lhes a mulher. - Se não tivesse vindo o periquito, a anunciar a vossa chegada, creio bem que o jantar ainda estaria por fazer.

De facto, na gaiola, lá estava um periquito verde...

Depois do jantar, um dos convidados, que era um rico comerciante da província, gabou a refeição e a inteligência do periquito.
- Dou-lhe cem moedas por ele - propôs.
- Nem por sombras - replicou Zahil. - Só o trabalho que eu tive a educá-lo merece bem mil moedas.
- Aqui tem as mil moedas - atalhou o negociante.

E fez-se negócio.
Quando, no dia seguinte, o negociante chegou a casa, a sua primeira preocupação foi a de perguntar à mulher se o periquito lhe tinha dado o recado com o que ele queria para o almoço.
- Qual recado? Qual periquito? - assustou-se a mulher. - Os ares da cidade devem ter-te tirado o juízo.
- Tiraram mesmo - exclamou o pobre comerciante, dando socos na sua própria cabeça.

Tinha compreendido a maroteira.
- Seu vigarista, devolva-me já as minhas mil moedas ou mando-o prender - ameaçou o comerciante, entrando em casa de Zahil. - O seu periquito era um pássaro vulgar, como qualquer outro, e a prova está que fugiu em vez de se desempenhar do recado que eu lhe ordenara.
- E que recado era esse? - perguntou, serenamente, Zahil.
- Era o de ir à minha frente dizer à minha mulher que eu queria carne guisada para o almoço.
- Sabia ele, porventura, onde era a vossa casa? Já lá tinha estado convosco? - inquiriu Zahil, sem perder a calma.

O comerciante ficou atrapalhado. Realmente, como podia o periquito saber onde ele morava se ninguém lho dissera. E, pensando no seu esquecimento e pouca sorte, o comerciante saiu da casa de Zahil, muito acabrunhado.

Esta história, que é um conto popular persa, parece aplaudir os vigaristas e preguiçosos que vivem da ingenuidade dos que não são vigaristas nem preguiçosos. Mas trata-se apenas de uma história, de um bocadinho da vida de um tal Zahil... Se chegássemos ao fim da história da vida de Zahil, veriam como ela era triste.

António Torrado e Cristina Malaquias, aqui