Qualquer cidadão sensato entende a comunicação social como um estudo das
causas, do funcionamento e das consequências da relação entre a sociedade e os
canais de comunicação de massa usados na transmissão de mensagens
a um grande número de receptores - com especial destaque para as televisões, para os jornais, para as
rádios, e mais recentemente para a internet – os quais englobam os processos de informar,
persuadir e entreter as pessoas, registando e divulgando a história e
influenciando a rotina diária e as relações pessoais e de trabalho.
E por isso, não é de estranhar que qualquer cidadão que incauta e ingenuamente
ainda acredite na liberdade e na independência da imprensa, se espante
com a ligeireza com que uma boa
parte da comunicação em massa tende a apresentar os factos sob perspectivas
distorcidas, recorrendo ao alarido na abordagem de assuntos insignificantes, e
optando por apresentações tendenciosas de temas menores e triviais, onde se
incluem abordagens insensíveis, apelações emotivas e criadoras de polémicas, distorcendo
ou até mesmo omitindo pormenores, com o básico propósito de captar uma forte
atenção popular e tendo como único objectivo aumentar a audiência de
telespectadores ou de leitores.
De facto, o que a realidade vai mostrando, dia após dia, é o grandioso
poder que os meios de comunicação – em especial, os de
massa – têm sobre as populações, sobre as quais exercem o fundamental papel da
formação da sua opinião, influenciando-a positiva ou negativamente, sobre factos,
personalidades, classes profissionais, orgãos de poder ou de soberania,
corporações, etc.
Só para referir uma situação que vagueia na
crista da onda, recorda-se que no final da penúltima jornada da
competição, se sagrou virtual vencedor da primeira liga profissional do futebol
indígena o clube que até então tinha já amealhado o número suficiente de pontos
para alcançar, pela segunda vez consecutiva, o título em disputa.
E tal feito logo mereceu dos
arautos desse enviesado rigor uma vénia acéfala e submissa, que de imediato
endeusou o momento da repetição de uma inusitada façanha acontecida há uma trintena
de anos atrás, uma postura vulgar e sensacionalista de quem, nessas mesmas três
décadas, assobiou para o lado e fez de conta que nada de extraordinário tinha
acontecido quando foram outros a ser bicampeões e tricampeões, a ganhar um tetra
e um penta-campeonato, a sair vencedores de quatro finais europeias e de duas
finais intercontinentais, acontecimentos ainda bem vivos e de boa memória para
o desporto nacional.
E se agora se gastam infindáveis horas
de emissão e páginas inteiras para apurar se a vitória se deve à categoria dos jogadores, à
capacidade do treinador ou à perspicácia do presidente, quando foram
outros a ganhar essas horas foram gastas a saber quantos pontos ficaram a
dever-se aos erros das arbitragens.
A par deste, também os recentes episódios
da Figueira da Foz (violência entre menores numa escola secundária), de Guimarães
(vandalização e roubo das instalações do clube local, e a grotesca manifestação
de força de um elemento da polícia de segurança pública) e de Lisboa (agressões
recíprocas entre adeptos de clube e forças de segurança pública) caíram que nem
sopa no mel ao repelente jornalismo, sempre
ávido de lágrimas - mesmo de crocodilo! - e se possível também de sangue, e que
desprezando a elementar regra deontológica que lhe impõe o relato dos
factos com rigor e exactidão e a interpretação honesta dos mesmos, persiste em
ser useiro e vezeiro a confundir a opinião que lhe interessa difundir, com a notícia
a que todos temos direito.
Perante isto, o que se conclui é que se cada um de nós não tiver a
capacidade de distinguir a realidade da criação mediática, dessa forma separando
o trigo informativo do joio sensacionalista, não tarda estaremos todos e contribuir
para a mercantilização da informação,
assim invertendo a ordem normal das coisas.
Num país desmoralizado e doente, com
uma comunicação que resigna à sua matriz social e se prostitui à clubite e à
partidarite, em que os maus exemplos vêm dos topos e descem pela pirâmide
abaixo, e numa sociedade em que é cada um por si e fé em deus, esperar que
sejam os outros a enfrentar os graves problemas que nos afligem, é
submetermo-nos aos acasos do destino e abdicarmos da obrigação de intervenção
cívica que a todos e a cada um compete.
É que pelo que se vai vendo, estes mártires da correcção e da isenção,
verdadeiros lampiões que iluminam com parcial verdade os caminhos do seu
martírio, assentaram arraiais e fazem
questão de por cá ficar!