quarta-feira, 27 de maio de 2015

OS LAMPIÕES

Qualquer cidadão sensato entende a comunicação social como um estudo das causas, do funcionamento e das consequências da relação entre a sociedade e os canais de comunicação de massa usados na transmissão de mensagens a um grande número de receptores - com especial destaque para as televisões, para os jornais, para as rádios, e mais recentemente para a internet – os quais englobam os processos de informar, persuadir e entreter as pessoas, registando e divulgando a história e influenciando a rotina diária e as relações pessoais e de trabalho.
E por isso, não é de estranhar que qualquer cidadão que incauta e ingenuamente ainda acredite na liberdade e na independência da imprensa, se espante com a ligeireza com que uma boa parte da comunicação em massa tende a apresentar os factos sob perspectivas distorcidas, recorrendo ao alarido na abordagem de assuntos insignificantes, e optando por apresentações tendenciosas de temas menores e triviais, onde se incluem abordagens insensíveis, apelações emotivas e criadoras de polémicas, distorcendo ou até mesmo omitindo pormenores, com o básico propósito de captar uma forte atenção popular e tendo como único objectivo aumentar a audiência de telespectadores ou de leitores.
De facto, o que a realidade vai mostrando, dia após dia, é o grandioso poder que os meios de comunicação – em especial, os de massa – têm sobre as populações, sobre as quais exercem o fundamental papel da formação da sua opinião, influenciando-a positiva ou negativamente, sobre factos, personalidades, classes profissionais, orgãos de poder ou de soberania, corporações, etc.
Só para referir uma situação que vagueia na crista da onda, recorda-se que no final da penúltima jornada da competição, se sagrou virtual vencedor da primeira liga profissional do futebol indígena o clube que até então tinha já amealhado o número suficiente de pontos para alcançar, pela segunda vez consecutiva, o título em disputa.
E tal feito logo mereceu dos arautos desse enviesado rigor uma vénia acéfala e submissa, que de imediato endeusou o momento da repetição de uma inusitada façanha acontecida há uma trintena de anos atrás, uma postura vulgar e sensacionalista de quem, nessas mesmas três décadas, assobiou para o lado e fez de conta que nada de extraordinário tinha acontecido quando foram outros a ser bicampeões e tricampeões, a ganhar um tetra e um penta-campeonato, a sair vencedores de quatro finais europeias e de duas finais intercontinentais, acontecimentos ainda bem vivos e de boa memória para o desporto nacional.
E se agora se gastam infindáveis horas de emissão e páginas inteiras para apurar se a vitória se deve à categoria dos jogadores, à capacidade do treinador ou à perspicácia do presidente, quando foram outros a ganhar essas horas foram gastas a saber quantos pontos ficaram a dever-se aos erros das arbitragens.
A par deste, também os recentes episódios da Figueira da Foz (violência entre menores numa escola secundária), de Guimarães (vandalização e roubo das instalações do clube local, e a grotesca manifestação de força de um elemento da polícia de segurança pública) e de Lisboa (agressões recíprocas entre adeptos de clube e forças de segurança pública) caíram que nem sopa no mel ao repelente jornalismo, sempre ávido de lágrimas - mesmo de crocodilo! - e se possível também de sangue, e que desprezando a elementar regra deontológica que lhe impõe o relato dos factos com rigor e exactidão e a interpretação honesta dos mesmos, persiste em ser useiro e vezeiro a confundir a opinião que lhe interessa difundir, com a notícia a que todos temos direito.
Perante isto, o que se conclui é que se cada um de nós não tiver a capacidade de distinguir a realidade da criação mediática, dessa forma separando o trigo informativo do joio sensacionalista, não tarda estaremos todos e contribuir para a mercantilização da informação, assim invertendo a ordem normal das coisas.
Num país desmoralizado e doente, com uma comunicação que resigna à sua matriz social e se prostitui à clubite e à partidarite, em que os maus exemplos vêm dos topos e descem pela pirâmide abaixo, e numa sociedade em que é cada um por si e fé em deus, esperar que sejam os outros a enfrentar os graves problemas que nos afligem, é submetermo-nos aos acasos do destino e abdicarmos da obrigação de intervenção cívica que a todos e a cada um compete.
É que pelo que se vai vendo, estes mártires da correcção e da isenção, verdadeiros lampiões que iluminam com parcial verdade os caminhos do seu martírio, assentaram arraiais e fazem questão de por cá ficar!