sexta-feira, 27 de março de 2015

O DISCURSO DA IGNORÂNCIA

O espaço público, porventura com a aproximação de sufrágios populares, foi tomado pela ignorância enquanto método privilegiado do discurso político e afim.
 
Na filosofia, o estado interrogativo suscitado pela ignorância tende a ser criativo: valoriza-se mais as perguntas do que as respostas. Ora, entre nós, generalizou-se outro tipo de ignorância enquanto "espelho da natureza" de muitos dos que detêm funções conspícuas. Na filosofia questiona-se por responsabilidade intelectual. Em Portugal evita-se responsabilizar quer com perguntas quer com respostas.
 
Na comissão parlamentar de inquérito ao caso BES, por exemplo, desfilou um cortejo de elites aparentemente ignorantes do essencial e especializadas no "passa ao outro e não ao mesmo".
 
Foram algumas, aliás, remuneradas pornograficamente anos a fio quando não celebradas através de veneras concedidas pelo regime por saberem mais que o comum dos mortais no seu esplendor "empreendedorista".
 
Todavia, na hora da verdade abundou a ignorância, o esquecimento, a leveza. O que não impediu que, mesmo improváveis e irresponsáveis, mandassem famosamente "nisto tudo". O regime político que permitiu que esta situação é, na sua irremediável fraqueza, uma mera consequência deste mandarinato tosco.
 
O dr. Passos Coelho referiu um "martelo" que lhe terá atingido a cabeça e, por tabela, a do indigenato.
 
Mesmo sem nada nem ninguém os martirizar com a veemência metafórica de tal objecto de carpintaria, os membros do seu Governo paralisaram igualmente na ignorância e na irresponsabilidade. Estão como que num limbo, partilhado com o candidato do PS a primeiro-ministro, à espera que o tempo passe até eleições: não vêem, não ouvem, não falam. Podem ignorar.
 
Ou, quando falam, mais valia terem estado calados. Limitam-se a apontar dedos o que, de uma maneira geral, é feio como se transmite cedo às crianças.
 
Não sei se alguma vez recuperaremos por completo desta torrente de infelicidades, indignidades e ignorâncias. Delas, de facto, temos os cofres cheios.
 
João Gonçalves, aqui