terça-feira, 10 de junho de 2014

A CARNE ASSADA E OS COURATOS DOS PARTIDOS

Os portugueses têm andado demasiado focados na tendinose rotuliana de Cristiano Ronaldo, no diferendo entre o Governo e os senhores juízes do Tribunal Constitucional e na guerra de alecrim e manjerona (não se escreveu manjedoura, leu bem) entre António Costa e António José Seguro no Partido Socialista

O excessivo foco comunicacional destas matérias trata de relegar para segundo plano outras questões, algumas delas bem mais decisivas, para a formatação de uma sociedade respirável. E o melhor é nem avaliar a secundarização dos princípios éticos.

Interessante: o país debate os riscos da ausência de Cristiano Ronaldo do Mundial sob vários prismas, mas não ignora o exercício contabilístico decorrente de uma ausência da estrela das estrelas. Os chumbos saídos do Palácio Ratton em matéria de cortes de ordenados da Função Pública e taxação de reformas e pensões têm um tom quase telúrico. 

O despique pelo Poder no PS faz parte de uma mesmíssima angústia sobre o risco ou a evidência da grande guilhotina a pairar: a gigantesca dívida pública. E no entanto...a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos divulgou na última semana os relatórios da vida financeira dos partidos políticos portugueses no final do ano passado e a conclusão não deixa de ser relevante: os partidos com assento parlamentar estão como o país, isto é, acumulam défices, e esse é um ponto coincidente sempre e quando se assiste à algaraviada reinante sobre a dívida nacional e a hipótese da sua reestruturação.

Dever não é pecado, sim, é verdade. Dispor de uma dívida sustentável é o ponto. Razão bastante, naturalmente, para que PSD, PS, CDS, PCP, BE e Os Verdes possam esgrimir uma boa defesa para um total de 46,5 milhões de passivo - subida exponencial em 2013 atendendo ao défice de 22,2 milhões registado em 2012.

Por fatias, registe-se os 23,4 milhões de dívida do PS (5,5 milhões aos bancos), os 16,8 milhões do PSD (1,9 milhões aos bancos), os 4 milhões do PCP (1,5 milhões aos bancos), os 1,3 milhões do CDS (977 mil aos bancos), os 886 mil euros do BE, esmagadoramente também ao sistema financeiro, e os 6 mil de Os Verdes. 

Ou seja: não obstante as subvenções estatais e outras formas de financiamento, incluindo as resultantes das sandes de carne assada e de couratos, o charivari dos partidos políticos em torno da situação económico-financeira do país reflete as causas-efeitos dos seus próprios modelos de gestão, até ao ponto de um dia destes confirmarem a sua já pouca autonomia do poder financeiro e passarem a reclamar para si próprios a renegociação das dívidas.

Os partidos políticos, evidentemente, refletem a própria sociedade; dimanam dela. Não espanta, por isso, terem um comportamento desviado da realidade. Uma parte deles, aliás, clama por rigor e frugalidade do povo. Mas vive em contraciclo.

Retirada daqui