A maior proeza deste Governo nestes três anos foi tornar Portugal ainda mais de esquerda-esquerda. Somos hoje uma espécie de Fox News dos sindicalistas, o paraíso ideológico onde se martelam as parangonas da esquerda mais imobilista e se aponta para as cicatrizes (reais) de modo a justificar o que for preciso (o delírio partidário).
Como hoje se costuma dizer, há matizes, sim, mas a corrente que tem realmente expressão é esta. Liga-se a televisão, lê-se os jornais, ouve-se a rádio, o que sobressai é a artilharia pesada. Portugal é a Fox News - o canal do Tea Party - embora radicalmente ao contrário.
Individualmente, estas recusas podem até fazer sentido - às vezes, resistir é a única alternativa -, mas é notória a tendência para a rigidez mental e para uma grande dose de preconceitos. E, no entanto, a realidade não é assim. Há muita gente no País que não apoia as decisões do Governo, mas que também não se revê nesta esquerda de combate que reclama para si o monopólio do bem comum e que sugere um tipo de falsa igualdade que dá sempre para o torto.
Nestes três anos podíamos ter discutido o fim do financiamento público do ensino superior - valorizando as bolsas de estudo. Podíamos ter falado dos copagamentos na saúde em vez de deixarmos que a qualidade fosse reduzida à socapa com efeitos inquietantes. Podíamos ter alterado a Segurança Social de modo a dar mais flexibilidade às pessoas, para que usassem o dinheiro que descontam com mais liberdade, de forma a poderem estudar ou investir a meio da carreira em vez de ficarem amarradas ao desemprego de longa duração. Com parte disto feito, só parte, talvez não nos tivéssemos transformado nesta república dos impostos que só pagam serviços em erosão permanente.
Há consequências quando se muda e nem tudo podia ser feito. Mas, apesar dos ses, alguma coisa de fundo devia ter sido alterada. A emergência financeira impôs limitações - eram e são precisas poupanças imediatas -, mas consumado o período mais agudo do resgate ainda mantemos um Governo em estado de guerra, imprevisível e de gatilho fácil, incapaz, portanto, de pensar e gerir com equilíbrio. Já não sobra espaço para acordo nenhum.
Ficámos então reféns desta batalha extremada. A moderação é hoje a verdadeira utopia.
André Macedo, aqui
