Nunca compreendi o dia de reflexão imposto por lei antes de qualquer eleição. Quer dizer, estou convencido de que há muita gente que agradece o silêncio que se abate com rigor suíço sobre os políticos e os jornalistas.
As pessoas apreciam a acalmia sincronizada e gostariam de a tomar como um gesto educado, uma cortesia, talvez até um sinal de inteligência de quem anda na vida pública - é melhor estar calado do que palrar até à náusea.
Só não compreendo a proibição e o policiamento que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) faz desta bizarria que bloquistas e companhia agora reclamam como se fosse o 25 de Abril ao contrário; isto é, uma espécie de povo unido pelo direito a silenciar. Não percebem que estão a passar um atestado de burrice coletiva? Malta, cuidado, vem aí o pusilânime BCE! Contaram-me que, em 1975, o PCP mandou camaradas vigiarem a embaixada americana em Lisboa, não fosse a invasão da CIA desembarcar por ali. Acho isso, ao tempo, mais compreensível do que esta manifestação de raivinha pacóvia.
A propósito disto, ontem li uma entrevista com o ator Brian Cranston, o professor que virou traficante na série Breaking Bad. Ele contava que escolhera um dia para não falar: aos domingos, nem uma sílaba. Até no restaurante escrevia num papel. Outras vezes, quando pensava que tinha uma coisa vital a partilhar, começava a escrever até perceber que a ideia podia esperar até ao dia seguinte. Acontecia-lhe então notar que aquele impulso acabava por perder a transcendência inicial.
O silêncio ajuda, sim, especialmente no meio do ruído. Numa das ilhas da Indonésia há até a tradição - não uma lei com multas e xerifes a condizer - de não falar durante um dia do ano, uma espécie de detox verbal que faz maravilhas a todos os que escolhem este particular jejum do ego, embora nem todos o sigam. O dia de reflexão eleitoral poderia ser o equivalente português, uma boa tradição voluntária, não a inútil imposição que é: pena de multa até cem dias ou prisão até seis meses. Esta gente da CNE usa a internet?
Conhece a Zon, onde a linha do tempo não é, digamos, linear?
A proibição, note-se, "abrange toda a atividade passível de influenciar, ainda que indiretamente, os eleitores quanto ao sentido de voto". Influenciar indiretamente. Maquiavélico, não é? Pergunto: se Melo e Rangel quisessem insistir nas justificações, se alguém ainda ansiasse ouvir Assis, que mal haveria? Ah, pois, os ses e os ques. Vivemos num tempo argumentativo e palavroso. Acho que. Penso que. Há estudos que - há sempre estudos...
Portanto, não queremos o BCE por cá no dia das europeias. Há sempre alguém a achar-se o padrão dos bons costumes. E depois temos o Governo. Os ministros vão reunir--se no sábado antes das eleições. Propaganda! Nada disso: apenas desorganização ou saloiice. Quanto a isso não há lei que nos valha. Exceto rumar a Bali. Não era mal visto.
André Macedo, aqui