terça-feira, 27 de maio de 2014

ERA UMA VEZ...

O PIQUENIQUE DA FELISBELA
Por altura dos piqueniques na mata, a lebre Felisbela anda mais descuidada

Onde há piqueniques não há caçadores. Em contrapartida, há comida à escolha, restos de salada, cascas de fruta e outros manjares fora do vulgar dia-a-dia de uma lebre fomenica. 


Então depois dos domingos e dos feriados, a mata é uma mesa de banquete. 

Andava a lebre Felisbela, numa matina de segunda-feira, na recolha regalada da comida para o resto da semana, quando viu, junto a um castanheiro, um enorme cesto de vime. 

"Alguém que o deixou esquecido", pensou a lebre, sem estranhar a prenda. E logo a seguir veio-lhe à memória uma saladinha de frutas exóticas que provara de uma saladeira partida e abandonada por piqueniqueiros desleixados. 

Não pensou mais. Levantou a tampa do cesto e atirou-se lá para dentro. Grande surpresa! Garras poderosas fincaram-se-lhe as orelhas. 
- Apanhei-te - disse uma voz de meter medo. 

Era o lobo, que urdira aquela armadilha para provar que os lobos não são tão tolos como, nas histórias, os descrevem. 

O lobo triunfante ergueu-se do cesto e com a lebre bem presa dirigiu-se à fonte da mata. 
- Não gosto de comer nada sem lavar primeiro - esclareceu o lobo. - Tomo muito cuidado com a minha alimentação. 
- Prudente regra, senhor lobo - aprovou a lebre Felisbela. - Foi por não ter seguido esse preceito que estou como estou. 
- E como é que tu estás, posso saber? 

Em resposta, o lobo ouviu um fundo suspiro de desalento. Logo a seguir, um gemido de cortar o coração. 
- Não te sentes bem? - perguntou o lobo, abrandando as tenazes das garras sobre as orelhas da lebre. 
- Sob a protecção do senhor lobo sinto-me muito bem - respondeu a lebre, voltando a suspirar. 
- Mas eu não estou a proteger-te. Vou matar-te não tarda. 
- Quanto mais depressa melhor, senhor lobo. Nem eu esperava outra coisa, quando levantei a tampa do cabaz, à sua procura. 
- À minha procura? - admirou-se o lobo. - Pois tu sabias que eu estava lá dentro? 
- Vi-o entrar. Por isso, fui ter consigo. 

O lobo desconfiou: 
- Estás a maquinar alguma, lebre. Isto já não me cheira bem. 
- Se já cheiro mal, a culpa é dos cogumelos - e a lebre, de propósito, largou uma bufa daquelas de agoniar até as moscas. 
- Ui, que pivete! - queixou-se o lobo. - De que cogumelos falas? 
- De uns venenosos, que comi, desprevenida - explicou a lebre. - Estou com umas cólicas que, se o senhor lobo não me mata depressa, cuido que rebento antes. Por isso me atirei para dentro da seira, para abreviar o sofrimento. 
- Ó maldita - exclamou o lobo, enojado. - E escolheste-me a mim para carrasco? Tu não sabias que eu não como bichos doentes, ainda para mais envenenados. 

O lobo arremessou a lebre para longe, o mais longe que pôde. Ainda a Felisbela ia no ar e já se estava a rir. 

Que grande desfeita ela pregara ao bronco do lobo! E salvara a vida...

António Torrado | Cristina Malaquias, aqui