
A 14 de abril, foram raptadas no Nordeste da Nigéria aproximadamente cerca de 300 crianças. Todas raparigas.
O Governo do país embrulhou-se em explicações, recusou de início que fossem tantas, depois já eram mais, depois algumas tinham conseguido escapar aos raptores, depois eram mesmo perto de três centenas.
Foi preciso chegar a 5 de maio - mais de 20 dias depois -, para se saber quem tinha capturado as meninas: Abubakar Shekau, líder do Boko Haram, um movimento islâmico extremista fundado em 2002 e que, desde então, é responsável por milhares de mortes na Nigéria. Em árabe, o nome oficial do Boko Haram é "Jama'atu Ahlis Sunna Lidda'awati wal-Jihad", que significa "aqueles que se comprometem a propagar os ensinamentos do Profeta e a Jihad". Comprido, não é? Sem me alongar demasiado, o Boko Haram tem em vista ocupar o poder na Nigéria e aí instalar um Estado islâmico. Para isso, recorre a métodos diretos: assassinatos, ataques bombistas e, agora, raptos em massa.
Voltemos, então, a 5 de maio. Nessa altura, foi divulgado um vídeo de Abubakar Shekau, o tal chefe do tal movimento, que decidiu dar a conhecer ao Mundo o que tinha feito ou ordenado.
E disse: "Raptei as vossas raparigas. Por Alá, vou vendê-las no mercado". E disse: "Meus irmãos, vocês devem cortar as cabeças dos infiéis. Meus irmãos, vocês devem capturar escravos". E disse mais: "Eu vou casar com uma rapariga de 12 anos e vou casar com uma rapariga de nove anos".
Entretanto, já se sabe o "preço" das raparigas, porque várias já foram vendidas: um pouco mais de 8 euros por cabeça. Não é caro, pois não?
Mas, afinal, qual a "culpa" das meninas e raparigas que foram raptadas, das quais se sabe já (por outras que conseguiram escapar às garras dos algozes) estarem muitas delas a ser violadas até quinze vezes por dia? A "culpa" delas é irem à escola, porque os membros do Boko Haram não aceitam que as meninas, raparigas ou mulheres estudem. Vai contra os ensinamentos do Islão, dizem - aqui imitando os talibãs afegãos nesta interpretação grotesca da vontade de Alá.
Abubakar Shekau é uma besta humana, implacável e sangrenta. É certo que vai ser abatido ou capturado.
No entanto, esta besta humana representa aquela que costuma ser a regra em situações de conflito armado. E a regra é a seguinte: num conflito, sofrem mais, e de longe, os não-combatentes; nestes, sofrem mais, e de longe, as mulheres e as crianças.
Até entre nós, reconheça-se, as mulheres e crianças estão bem servidas. Os números sobre a violência doméstica e a abusos sexuais de toda a índole escandalizam, e mesmo a violência pura e simples (fora de um quadro familiar) que sobre elas se abate não mostra sinais de esmorecer.
Nos conflitos armados em curso, quase nem vale a pena falar. Muitos milhares de mulheres e crianças morrem por ano, milhões são deslocadas internas ou refugiados sem refúgio, e muitíssimas são violadas de forma sistemática, troféu simbólico do predador que, num dado momento, controla uma determinada parcela de território.
É sempre perigoso dizer-se que ainda pode haver pior porque, a certa altura, a descida aos infernos é de tal ordem que é quase revoltante estabelecerem-se relações de comparação entre este facto ou aquela ocorrência. Infelizmente, como se vê pelo destino das meninas da Nigéria, pode sempre ser pior.
Hoje (mas durante quanto mais tempo?), estamos revoltados e comovidos. Muitos de nós, e até famosos, participaram na campanha "bring back our girls" (devolvam as nossas meninas).
Mas, depois, passa. Passará? Não, não passa. Porque, enquanto esteve a ler este texto, morreram mulheres, morreram crianças, foram violadas mulheres e foram violadas crianças. Na Nigéria, na Síria ou no Afeganistão e noutros palcos de conflito: escolha o que lhe aprouver.
É, não passa.
Retirada daqui