segunda-feira, 21 de abril de 2014

PRIMATAS E POLÍTICOS: POR QUE É QUE A DEMOCRACIA NÃO É REGRA NAS SOCIEDADES HUMANAS?


É verdade que "a tendência do Homem para a justiça torna a democracia possível, mas não é menos verdade que a sua capacidade para a injustiça a torna necessária".

A atual sociedade reflete as nossas características de primatas sociais e políticos, razão pela qual a democracia não é (ainda) nem a regra nem o ponto de partida das nossas sociedades (pelo menos desde que deixámos de ser caçadores-recolectores e perdemos o ethos igualitário).

As evidências e a nossa história comum, enquanto espécie, sugerem que a nossa propensão natural tende para a construção de estruturas hierárquicas baseadas na dominação e na submissão que, de resto, também se espelham nas sociedades democráticas.

A democracia é um conjunto de práticas e princípios institucionalizados que, em última análise, protegem a liberdade e a igualdade perante a lei, as liberdades civis, o funcionamento correto e em tempo razoável dos processos legais e judiciários e a contestação e pluralismo político.

É a isto que se chama uma "democracia plena". Como é fácil de ver, nem todas as democracias, mesmo que assim se designem, o são de facto. Não basta um hardware institucional democrático. É necessário também um software mental igual.

Por exemplo, os níveis de confiança dos cidadãos no nosso sistema judicial e os recentes casos de "prescrições", não só reforçam esses (baixos) níveis, como sugerem que a nossa democracia está ... "doente".

Estudos recentes (Freedom House, The Economist) mostram que num universo total de 197 nações, embora quase metade dos países no mundo sejam consideradas "democracias", o número das chamadas "democracias plenas", em 2013, era relativamente baixo, com apenas 28 países (14%).

Atualmente, quase 30% dos países são classificados como "democracias com falhas" e dos restantes 85 países, 65% são considerados "regimes autocráticos", sendo os remanescentes 15%, regimes "híbridos".

Concluímos assim que apenas 14% da população mundial vive em "democracias plenas" e mais de 40% ainda vive em regimes autoritários. E não deixa de ser irónico que nos vários estudos realizados, 3 dos países que ocupam os últimos lugares no ranking das democracias, possuam o termo na sua própria designação (R. D. Congo, R. D. Coreia do Norte e R. D. China...)

O facto de reconhecermos que enquanto primatas nos inclinamos mais para as estruturas autoritárias do que democráticas não deve ser visto como um "fado".

Pelo contrário. Estando conscientes das nossas propensões, então, e apenas então, podemos pensar realisticamente qual poderá ser a melhor forma de combater essas mesmas tendências.

Talvez a democracia deva ser usada como designação daquilo que desejamos e os diferentes arranjos institucionais em que vivemos devam chamar-se "poliarquias".

Afinal, enfrentando as verdades desagradáveis, estaremos melhor do que se as ignorarmos, pois mesmo que a humanidade não possa alcançar a perfeição, talvez possa aprender a viver mais tolerante com as suas imperfeições.

Paulo Finuras, aqui