terça-feira, 8 de abril de 2014

ERA UMA VEZ...


NO TEMPO DOS MOSQUETEIROS 
Confidenciava o Joca ao avô: 
- Gostava de ter vivido no tempo dos homens das espadas... 

Isto dito depois de ambos terem visto um filme daqueles de espadachins de bigodes eriçados, capa ao vento e chapéus emplumados. Fervia a espadeirada por pátios, corredores, salões, escadarias de palácios intermináveis. A meio dos duelos, gritavam: ?À fé de quem sou que vos hei-de trespassar, tratante!" E, enquanto não davam conta dos vilões bandidos, os mosqueteiros decepavam velas, fendiam cadeirões, estilhaçavam jarras, rasgavam cortinados. O Joca saltava da cadeira, entusiasmado. Quem lhe dera ser um deles! 

Já o avô não partilhava da mesma opinião: 
- Se vivesses nesse tempo, havia coisas com que não podias contar. Olha, por exemplo, automóveis... 
- Bá. Não me importava. Andava a cavalo. 
- Pois. Talvez sim - reconheceu o avô. - Mas havia outros inconvenientes... 
- Quais? 

O avô estendeu os dedos da mão esquerda e pôs-se a enumerar: 
- Naquele tempo, não havia playstations nem cinema nem televisão nem telemóveis e, sobretudo, os cuidados de saúde deixavam muito a desejar. Se alguém tinha febre, recomendavam-lhe que se metesse dentro de uma tina de água gelada, para fazer baixar a temperatura. 

O Joca arrepiou-se. 
- Por tudo e por nada, a ordem do médico era: ?Sangrem-no!" 

O Joca ainda mais se arrepiou. 
- É que tu tens de perceber que, naquela época, ainda não tinham sido descobertos os remédios, hoje correntes. 
- E já havia doenças? - perguntou o Joca. 

O avô sorriu: 
- As mesmas que há agora e mais ainda, mas estava-se, completamente, às escuras sobre as causas que provocavam essas doenças. Não havia antibióticos. Não havia vacinas. A propósito: tu sabes quem foi Pasteur? 

O Joca não sabia. Se vocês também não sabem, deixem-me que seja eu a fazer as vezes do avô do Joca. Ora tomem atenção. 
Luís Pasteur foi um notável cientista francês, que revolucionou a Medicina, a partir dos meados do século dezanove, isto é, desde há cerca de cento e cinquenta anos. 

Neste passo, o Joca terá dito: 
- Já sei, avô. Foi ele que ?inventou" os micróbios. 

Talvez fosse melhor que o Joca tivesse ficado calado... De facto, microrganismos invisíveis a olho nu sempre existiram. O que o Pasteur provou foi que estes minúsculos seres em suspensão no ar eram responsáveis pelo aparecimento e transmissão das mais diversas doenças. 

Hoje, qualquer pessoa fala de micróbios, bacilos, bactérias. Dantes, à falta de microscópios potentes que os comprovassem, só deles se tinha conhecimento pelos seus efeitos. 

No Sul de França grassara uma doença que punha em risco as culturas dos bichos-da-seda. Os fabricantes de seda de Lyon punham as mãos à cabeça, já se vendo na ruína. Chamado a investigar a causa, Pasteur isolou as bactérias portadoras da enfermidade, impediu o contágio e salvou a indústria. 

Outras epidemias animais foram por ele estudadas e combatidas, graças a um método experimental que consistia em tornar inofensivo o bacilo que provocava a doença. Era como se conseguisse, quimicamente, tirar-lhe a violência e a perigosidade e torná-lo pacífico, a ponto de combater e eliminar os bacilos violentos que atacavam o organismo. 
- O bandido tornava-se mosqueteiro do rei - comparava o Joca, desta feita com muito acerto. 

Uma vez, Pasteur foi chamado de urgência, em socorro de uma criança que tinha sido mordida por um cão raivoso. O seu destino seria uma morte atroz. 

Pasteur nunca tinha experimentado a vacina contra a raiva em seres humanos, mas não hesitou. E o menino salvou-se. 

Tempos perigosos esses... 
- Afinal, já não queria viver no tempo dos mosqueteiros - suspirou o Joca, depois de ouvir os esclarecimentos do avô. 

Não nos custa a ter a mesma opinião.


António Torrado | Cristina Malaquias, aqui