sábado, 12 de abril de 2014

DUELO AO DOMINGO

Espero que o exemplo de José Rodrigues dos Santos tenha seguimento e faça escola. A participação de políticos no espaço televisivo tem de ser mais clara, mais honesta, mais determinada. Ninguém ganha com o pântano.

A animação regressou aos Domingos com um inesperado confronto entre um jornalista e um político. De imediato se ouviram vozes, umas de regozijo derivado desse doentio ódio a José Sócrates, outras de indignação porque consideram que o comportamento de José Rodrigues dos Santos não é jornalismo. Não concordo.

Qualquer que tenha sido a motivação, José Rodrigues dos Santos deu um contributo para a mudança necessária neste tipo de formatos televisivos. A opinião dos políticos não é isenta. Veja-se como Marcelo e Marques Mendes apoiam sempre o governo mesmo quando parece que o atacam, ou como José Sócrates defende sempre o PS, já para não falar do seu próprio governo. 

Não é sério alimentar a ilusão de neutralidade a coberto de uma falsa entrevista. Mas é importante saber o que realmente pensam estes políticos, coisa que só acontece quando as coisas são claras e frontais. O modelo imposto por José Rodrigues dos Santos é melhor para todos. Para o próprio José Sócrates, que na versão mole perde audiência (e razão), para os espetadores que ficam mais esclarecidos e, já agora, para as audiências.

A televisão evoluiu muito. Com o fim do monopólio da RTP abriu a grande corrida às audiências. Agradar ao maior número tornou-se no principal objetivo. Para o conseguir superou-se o formalismo, o ambiente ficou mais solto e animado, gerou-se alguma inovação e também muita mediocridade. Ainda se lembram das meninas em minissaia que apresentavam a meteorologia da SIC? Ou do mau gosto, da sordidez e da cretinice que proliferam, pois a maioria aprecia.

A informação também evoluiu. Passou a estar muito presente, com canais dedicados, programas temáticos, maior especialização e ao mesmo tempo abertura à participação. Tornou-se também mais interventiva, política, alinhada e, por vezes, declaradamente manipuladora.

As entrevistas políticas contudo mudaram menos. Continuam a ser bastante formalistas e mansas, com base numa neutralidade que na verdade não existe.

No essencial o jornalista faz perguntas e o político responde. Nalguns casos as perguntas são combinadas e o jornalista é um mero papagaio cúmplice, noutros são um pouco mais críticas mas raramente chegam à confrontação direta. A deferência predomina.

Existe um outro modelo, em prática em vários países. O do confronto aberto. De que Jeremy Paxman da BBC é um dos exemplos. O entrevistador não se resigna a oferecer tempo de antena mas interpela, coloca as questões mais difíceis, põe em causa o caráter do entrevistado, chega mesmo a ser insultuoso se necessário. 

São entrevistas duras mas oportunas. Refletem a opinião pública, que como se sabe pensa o pior dos políticos, e são também as que melhor a esclarecem. Os bons políticos, os que pensam claro e nada têm a esconder, passam bem estes desafios. Os maus, os aldrabões, geralmente afundam-se.

Desajustados da realidade são também os pseudo-confrontos entre representantes de dois ou mais partidos, que os vários canais oferecem a toda a hora em nome de um pretenso esclarecimento público. Para além de serem bastante enfadonhos, é irritante assistir a tanto salamaleque. Imagino que os intervenientes querem mostrar boa educação, mas o exercício reforça a ideia popular de que "eles estão todos feitos". Não é preciso andar à pancada, como temos visto nalguns debates mais acalorados noutros países, mas mais frontalidade só beneficiaria todos.

No caso José Sócrates poderá dizer-se que não se trata de uma entrevista, nem de um debate, mas de um espaço de opinião, tal como acontece com Marcelo Rebelo de Sousa ou Marques Mendes. É certo. Mas estes programas, na atual configuração, nem deviam existir. Se são de opinião qual o papel do jornalista? Fingir que faz perguntas, combinadas previamente? Isso sim, nada tem de jornalismo.

Espero que o exemplo de José Rodrigues dos Santos tenha seguimento e faça escola. A participação de políticos no espaço televisivo tem de ser mais clara, mais honesta, mais determinada. Ninguém ganha com o pântano.

Leonel Moura, aqui