domingo, 27 de abril de 2014

25 COM 10

Há 40 anos, por esta hora, Marcello Caetano dormia sossegado na sua cama, com o seu abutre de peluche. Umas horas mais tarde, já estava a fazer as malas, a empacotar as saias-calça e a fugir para a Madeira - que, já nessa altura, tinha um clima propício a ditadores (acho que tem a ver com o microclima do Funchal que é bom para o tipo de calçado que os ditadores gostam de usar)

Contam as minhas fontes da altura que Marcello foi transportado numa chaimite apenas porque os capitães de Abril - que o acompanhavam dentro da apertada e mal arejada viatura - tinham comido rancho com feijão ao almoço. Era a vingança por horas e mais horas de conversas de m**** em família.


Eu tinha 10 anos quando se deu o 25 de Abril. Tinha passado os últimos dias em casa, acamado com uma escarlatina, e era suposto ter de voltar às aulas nesse dia. Mas ninguém me acordou - nasceu logo ali a minha enorme simpatia pelo 25 de Abril. Quando regressei às aulas, já tudo estava ligeiramente diferente. A régua estava mais escondida e a foto do António tinha desaparecido. A paixão pelo 25 do 4 foi crescendo.



Esse ano, o exame foi uma maravilha. Só me perguntaram o nome de uma estação do caminho-de-ferro de Benguela e eu respondi "pau-de-cabinda" e os professores acharam graça à minha rebeldia e a resposta foi considerada correcta. Era a primeira vez que eu conhecia o "facilitismo" e soube logo que era num mundo daqueles que queria viver.



Veio o 1.º de Maio na Alameda, onde vi mulheres a fumar, barbudos, cabeludos - eu nem sabia que o cabelo de um homem podia crescer aquilo - e canções que tinham uma letra que era o oposto ao que eu estava habituado a ler nos livros da escola - havia mesmo outro mundo, e eu já suspeitava: naquele, dos meus livros, não era possível viver. 

Agora, anda por aí gente a fingir que antes do 25 do 4 aquilo não era mau, eu estive lá e era muito mau, miúdos. Depois veio aquele dia e tudo mudou. Foram tempos incríveis em que os adultos estavam distraídos a ser miúdos e se esqueciam de nós: as revelações e surpresas, sobre o mundo em que vivíamos, sucediam-se. Para mim, com 10 anos, era como poder espreitar por detrás do cenário. Por tudo isto, o 25 de Abril foi o meu melhor amigo de infância. Foi ele que me salvou. É um amigo imaginário que se tornou real. Nunca me esqueço dele.



Agora que já desabafei, posso confessar que aquela que considero a verdadeira, e digna, comemoração dos 40 anos da revolução de Abril aconteceu em meados de Fevereiro, quando, segundo foi noticiado, o "mau tempo arrasou com a casa de Salazar no Vimeiro". É que para quem ainda tinha dúvidas, São Pedro sempre foi antifascista. Isto sim, é um festejo como deve ser porque é o maior revés para a alma do ditador desde a série Salazar, com o Diogo Morgado. É uma notícia que alegra a criança de 74 que há em mim, ainda que seja uma perda para o património, nomeadamente, o galinheiro de Salazar, com as suas telhas de zinco, numa arquitectura nitidamente inspirada na arquitectura cabo-verdiana do Campo do Tarrafal.



Não tenho a menor dúvida de que esta é a melhor forma de comemorar o aniversário da revolução. A queda da casa de Salazar é uma bela metáfora dos 40 anos do 25 de Abril porque a casa caiu por si. Passaram 40 anos e ainda ninguém tinha deitado aquilo abaixo. Isto diz muito de nós. É melhor estar calado que a Assunção Esteves é menina para mandar reconstruir a casa do Botas (pelo Souto de Moura) para festejar o 25 do 4.


PÓDIO SEM CENSURA


 1  "Chefe do FMI, Subir Lall, foi barrado no aeroporto de Lisboa" - se fosse com mel (e milhões de formigas), era uma excelente notícia.



 2  "Ministra das Finanças diz que pode haver imposto sobre produtos com sal ou prejudiciais à saúde" - eu gosto do meu sal com pão. Eu gosto de ter a tensão nos três dígitos, eu não quero chegar a velho, está bem? Será que, em breve, o ministro da Saúde vai lá a casa temperar-me a salada?



 3  Um turista irlandês, no Algarve, queixou-se à GNR de que um compatriota entrou no quarto sem autorização e fez-lhe sexo oral enquanto dormia - isto é tramado porque o outro irlandês é sonâmbulo e vai saber pelas noticias - "In my dream I was at feira dos enchidos" - terá dito.


João Quadros, aqui