O descrédito social da política contemporânea passa, e muito, pela noção cada vez mais disseminada de que só as promessas de regressão são sérias e de que todas as promessas de transformação que acrescentam dignidade e direitos às nossas vidas são demagogia irresponsável.
Quando rigor só pode rimar com sofrimento e melhoria de condições passou a ser uma questão de fé e não uma possibilidade efetiva, a política só pode ser repudiada.
O Governo prometeu empenhar-se em fazer o País "sair desta situação, empobrecendo". Cumpriu uma parte: a do empobrecimento. Os dados esta semana publicados pelo INE relativos a 2012 mos- tram, de facto, como o Governo honrou a promessa de empobrecer a grande maioria dos portugueses. Há neste relatório duas informações essenciais sobre o que é o País depois do choque de empobrecimento prometido e cumprido.
Quarenta anos depois do 25 de Abril, este país que o INE faz ver ao espelho volta a ver as mesmíssimas imagens que a democracia primeiro e a Europa depois fizeram crer que estariam banidas para sempre.
Mas os números do INE revelam-nos uma segunda imagem do País sob as políticas de austeridade. A diferença entre o rendimento dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres passou de 9,2 vezes em 2009 para 10,7 vezes em 2012. Os números são como o algodão: não mentem. E neles vai clara a demonstração de que houve uma parte do País a quem a promessa governamental de empobrecimento não se aplicou de todo. Há notoriamente mais pobres em Portugal, há uma mancha social muito mais ampla afundada na pobreza quotidiana e na falta de horizontes de saída dela. Mas o alastramento e o agravamento da pobreza da grande maioria reverteram a favor de uns poucos muito ricos, sempre incólumes aos sacrifícios.
Da grande promessa programática de 2011 - empobrecer o País para o "tirar desta situação" -, o Governo cumpriu a parte mais fácil: empobrecer os pobres e trazer para a pobreza os remediados. Aos ricos ajudou a que ficassem mais ricos. E, mais grave que tudo, sem que no fim se tire o País da situação que justificou isto tudo -, a dívida agigantou--se e a capacidade de a pagar diminui na mesma proporção. A resposta do Governo a este diagnóstico do INE será a confirmação, já anunciada, da natureza permanente dos cortes nas pensões e reformas. Ou seja, à vulnerabilidade da pobreza o Governo responde com a eternização dessa vulnerabilidade nos segmentos sociais mais frágeis.
É séria uma coisa assim? É realista? É razoável? Ou realista, razoável e sério é antes ouvir o clamor dos pobres e centrar toda a política na criação de um horizonte de mudança que assuma o quotidiano destas tantas centenas de milhares de pessoas como a única prioridade?
José Manuel Pureza, aqui