segunda-feira, 10 de março de 2014

PORTUGAL, S. A.

Não tendo graça nenhuma, a verdade é que me dá vontade de rir ver Governo e troika a disputar a hipotética vitória sobre a crise. O "valeu a pena sofrer" governamental ou a impassibilidade burocrática do grupo dos três são discurso oco e falta de vergonha na cara (das três caras, na realidade!).

Diga-se em abono da verdade que o discurso da Oposição também não serve de nada. No fundo reconhecem a melhoria, apenas mudam ligeiramente a expressão "valeu a pena sofrer" para um tímido "mas com que sofrimento".

Ora a melhoria, a consolidar-se, só tem um dono: os empresários portugueses. Nós, os por conta de outrem, não tivemos opção. Fomos submetidos a um empobrecimento fulminante que não pudemos contrariar. Os empresários, esses sim, tiveram opção. Investir ou desistir. E a maioria não desistiu.

Basta um conhecimento, com os pés no chão de fábrica, de tantas das nossas empresas. O que vemos e ouvimos? Gente que ainda antes de tudo se ver já tinha visto e antes de ter de fechar se pôs a crescer, assumindo o risco com a confiança de quem já deu provas.

Um périplo recente por uma mão-cheia de empresas de um setor importante, especialmente radicado no Norte do país, mostrou-me o que me parecia já uma evidência. 
Todas, sem exceção, se anteciparam ao impacto mais forte da crise (investimentos planeados e decididos já em 2008), todas aumentaram as suas quotas de exportação, todas diversificaram os seus mercados e todas mantiveram o seu nível de investimento.

Nada foi feito de forma cega, à última hora e sem noção sobre os resultados que se poderiam conseguir. Uma boa lição portanto para os estados que reagem e não agem, que não se conhecem e portanto racham de cima a baixo sem perceber o que matam pelo caminho e, ainda assim, sem qualquer segurança sobre o resultado da purga.

É claro que as empresas são sistemas mais fechados do que um país, com um controlo mais efetivo sobre os seus recursos, uma cadeia de decisão com tempos mais aceitáveis e sobretudo mais imune à corrosão mediática.

Mas esta gente, os nossos empresários, são feitos de massa diferente. Têm arreigada a noção do valor da empresa, que se sobrepõe ao valor ou interesse individual, lidam naturalmente com ambientes ultracompetitivos, são completamente dedicados e superiormente disciplinados no que toca a atingir objetivos fixados. Parece-me que uma passagem obrigatória pelo mundo empresarial (no chão de fábrica) seria escola útil para muitos dos nossos decisores. Muito mais eficaz seguramente do que o obrigar a ser-se deputado antes de poder ser-se ministro.

É que, ainda por cima, não são poucas as dificuldades com que os nossos empresários têm de lidar. Tenho para mim que quem as ultrapassa facilmente governa um país (pelo menos um do tamanho do nosso).

Reparem :

mão de obra qualificada - não existe nunca quando é precisa. Como já escrevi nesta coluna um destes dias, as empresas precisam desesperadamente de soldadores caldeireiros e o IEFP só viabiliza geriatras e pasteleiros;

apoio aos investimentos - o prazo de análise das candidaturas aos vários sistemas de incentivo ou os prazos de reembolso do investimento apoiado são completamente desligados das necessidades das empresas; quando o apoio é despachado ou reembolso efetuado, já o empresário está a pagar juros do empréstimo que teve de fazer ou do retorno que deixou de ter se usou capitais próprios;

concorrência desleal - em virtude por exemplo de um código de insolvências que permite que empresas envolvidas em sucessivos processos de falência continuem a competir (não pagando Segurança Social ou impostos) com empresas que mantêm os seus compromissos em dia ;

partilha de risco - dificílima, por exemplo, quando falamos de seguros de crédito, designadamente dos que são decididos pela empresa pública que existe para o efeito; só seguram o que não tem risco ou exigem taxas incomportáveis para os destinos mais instáveis;

exigências cegas - como a feita a uma empresa no que diz respeito ao número de balneários e chuveiros disponíveis quando, desde sempre, só um funcionário toma banho no local de trabalho;

Obstáculos e mais obstáculos. E no entanto, sem os nossos empresários não sonharíamos sequer recuperar um pouco do que já foi a nossa liberdade e soberania.

Por isso talvez "Portugal, S.A." seja afinal um bom tema para comemorar os 40 anos do 25 de Abril.

Retirada daqui