quinta-feira, 13 de março de 2014

O SISTEMA

Há dias, enquanto esperava a sua vez para ser atendido num serviço público, um jovem, dos seus trinta anos, vociferava o caso dos sete médicos que, voando autenticamente nos seus automóveis, conseguiam estar a trabalhar em vários locais ao mesmo tempo, duplicando ou triplicando vencimentos

E concluía, sem medo ou vergonha de quem o escutava, esta ousada e espantosa coisa: não há outra maneira de ganhar dinheiro senão entrar no sistema. É preocupante que um pense assim, mas muito mais quando são muitos a pensá-lo e a fazê-lo. Quer exemplos? 

Parte de verbas, vindas de Bruxelas, destinadas à formação profissional, voaram para os offshores da Caraíbas, esses monstros que fomentam os desvios, o roubo, neste caso os desvios de fundos, a fuga ao fisco, responsáveis pela falência de alguns bancos. E não foram migalhas, foram só 8,7 milhões de euros desviados da PME-Portugal, de Braga. 

A denúncia foi feita por ex-funcionárias. Por sua vez, Jardim Gonçalves, um dos sete gestores do BCP, de que foi fundador, acusado pela Comissão de Mercados e Valores Imobiliários de ter prestado informações falsas ao mercado, entre 2002 e 2007, num caso relacionado com offshores, viu prescrever todos os processos movidos pelo Banco de Portugal, passados dez anos, através de manobras dilatórias. Coisas que o povo não entende, mas sabe gritar escândalo e revolta. 

Talvez só os ricos e os políticos consigam a caducidade dos processos. São estes precisamente os que mais são ajudados pela justiça e pelo sistema que vamos tendo. As médicas, enfermeiras e outras funcionárias do Hospital de S. João do Porto frequentaram a Clínica do Pêlo (pés, pernas e outras partes), onde faziam depilações à custa da ADSE. Isto é, à nossa custa. Políticos estão distribuídos numa boa parte das grandes empresas, segundo foi divulgado, há pouco. 

Claro, são essas que mais prosperam e avançam por efeito das influências. Os ajustes directos (Estado, Câmaras e Empresas Públicas) estão a substituir os concursos públicos. Os números dispararam em 2013. Mais de metade da construção pública (54%) foi adjudicada por ajuste directo, para o que foram criadas regras em 2008: 75 mil euros no caso de aquisição de bens e serviços e o dobro para as empreitadas de obras públicas. 

Mas há casos que atingem milhões. Tudo isto faz arte do sistema que empobrece o país.

Armor Pires Mota, no 'Jornal da Bairrada' de 13 de Março de 2014