quarta-feira, 12 de março de 2014

DEIXEM EM PAZ OS CLIENTES E AS PUTAS

Ao princípio fiquei preocupado. Será que estava a ficar homofóbico? Sempre que saía do jornal após a meia noite, ao passar em Guedes de Azevedo ficava com a impressão de que nove em cada dez homens com que me cruzava ou eram gays ao engate ou prostitutos em busca de clientes.

Não, não estava a ficar paranoico. À noite, a rua do Silo Auto é mesmo um ponto de encontro gay, tendo como âncora um animado bar especializado.

No curto trajeto de 300 metros que separa o JN do meu lugar de garagem, em Sá da Bandeira, abaixo da Cunha, atravesso um mercado a céu aberto com uma oferta diversificada de serviços sexuais: putas, travecas (ou paraguaias, como lhes chamam os brasileiros numa deliciosa piscadela de olho ao facto da pátria de Cardozo ser a Meca das falsificações) e prostitutos (não é adequado chamar-lhes putos pois não?). O Porto está a ficar irresistivelmente cosmopolita .

O mercado sexual noturno do eixo Gonçalo Cristóvão/Guedes de Azevedo não me enche de orgulho. Preferia viver num mundo em que nenhum ser humano tivesse de alugar o corpo para viver. Mas o convívio não me incomoda. É tudo gente civilizada, que não mete o nariz onde não é chamada.

Nunca na vida fiz esqui ou recorri a trabalhadoras do sexo (e apenas uma vez provei lampreia, após muita insistência do meu amigo Aníbal Campos). Não calhou. E está fora dos meus planos fazer férias na neve, voltar a levar lampreia à boca ou tornar-me cliente de putas, travecas ou prostitutos.

Dito isto, declaro absurda e desmiolada a ideia sueca de criminalizar os clientes das putas, que mereceu o acolhimento da maioria dos deputados ao Parlamento Europeu.

Estocolmo é uma cidade maravilhosa, sou freguês do Ikea, não tenho vergonha de me confessar fã das canções pop dos Abba, viciei-me nos policiais de Henning Mankell (e do Stieg Larsson), sempre achei muita graça ao cozinheiro sueco dos Marretas. mas não gosto de arenque cru, detesto a mania deles beberem até"cair para o lado, ao fim de semana, e acho errado o seu modelo proibicionista relativamente à prostituição (aprendam por favor com as consequências funestas da Lei Seca dos EUA).

No debate sobre como lidar com o problema da prostituição, combatendo o tráfico e exploração sexual, quem está certo são os alemães, holandeses e suíços que regulam como trabalho, com obrigações fiscais e contribuições para a Segurança Social, a prostituição consentida entre adultos.

Calcula-se que haja em Portugal cerca de 30 mil trabalhadoras/es do sexo (menos que os 75 mil contabilistas, mais que os oito mil dentistas) que são quem mais tem sofrido com a crise - têm menos clientes a pagar menos e mais concorrência.

O caminho certo para proteger dos abusos as trabalhadoras do sexo não é empurrá-las para a clandestinidade, mergulhando-as de vez na economia paralela e deixando-as indefesas e reféns das mafias. É uma tremenda hipocrisia (ou uma imperdoável ingenuidade) pensar que o que se esconde ou proíbe deixa de existir.

O caminho sério não é desconversar, como fizeram os deputados europeus, mas sim a de regular a atividade para proteger a saúde, liberdade e segurança das trabalhadoras do sexo. Todos ganhamos se os políticos deixarem em paz os clientes e as putas e se concentrarem na sua missão de oferecer a todos os coletivos da nossa sociedade as melhores condições para garantirem a salvaguarda dos seus direitos.

Retirada daqui