domingo, 23 de março de 2014

CIDADES SEM AR, PESSOAS SEM TEMPO. NÃO VALOR MUDAR?

As grandes cidades estão cada vez mais cercadas

De fumo. Paris ofereceu há dias as viagens nos transportes públicos e restringiu o uso automóvel para tentar baixar o nível de poluição. Pequim é o segundo caso mais grave no Mundo - foi considerada "imprópria para viver" pela Academia de Ciências Sociais de Xangai. Pior, só Moscovo. 

No Museu de Arquitetura de Xangai há uma frase-missão inscrita numa parede que é inesquecível: "O nosso objetivo é voltar a ver o azul do céu em 2030". Parece surreal. Mas quem visitou cidades onde o azul do céu está sempre escondido por uma cortina de fumo sabe o caos que estamos a gerar todos os dias.

Para além da redução da poluição industrial, temos urgentemente de olhar para a mobilidade. Os transportes públicos são cada vez mais indispensáveis para o futuro das sociedades. Infelizmente, em Portugal estão tecnicamente falidos e sem capacidade de poderem aumentar os preços das viagens ou dos passes sociais. Pior do que isso: não fazem parte das opções para aplicação de alguns fundos comunitários entre 2014-2020 porque o foco está essencialmente nas mercadorias ferroviárias.

Compreende-se muito bem que a União Europeia queira diminuir os camiões nas estradas mas este raciocínio bipolar dos burocratas do costume está profundamente errado. A produtividade dos portugueses seria terceiro--mundista se não tivesse havido bons investimentos nas infraestruturas de transporte - mais metros e intermodalidade. 

A produtividade dos portugueses necessita de subir e não há melhor forma de incrementar a qualidade do valor/hora do que fomentar o uso de bons transportes públicos. É por isso que, sendo correta a aposta na ferrovia de mercadorias, é um erro desprezar a modernização ferroviária de passageiros para viagens de longo curso e, sobretudo, a dos troços regionais e dos metros das grandes cidades.

Nem tudo significa investir apenas em novos metros ou comboios. Pode também melhorar-se o investimento em autocarros privados que circulem em ligação com a outra rede de transportes - a essencial intermodalidade. É preciso também insistir-se no reforço dos circuitos viários "bus". E é essencial uma nova relação com os sindicatos destes setores para que as sistemáticas greves não destruam uma nova confiança que é preciso construir. Só assim a classe média deixará o carro próprio.

Outro ponto importante: a oferta. As empresas públicas de transporte não dão prejuízos por terem oferta a mais (aliás, ela é cada vez pior) mas essencialmente por terem ocupação a menos. Com taxas abaixo dos 20% não há milagres. Bastaria que este número subisse uns pontos e estas empresas teriam margem para um melhor serviço - incluindo descontos fora das horas de ponta, além de "custos sociais" para franjas, como a população sénior ou jovem - que não pode passar sem ele. Barcelona, por exemplo, tem passes que não estão personalizados. Qualquer pessoa (família, amigo, colega) que quer usar o metro, usa-o. O que se poupa em poluição compensa a "borla". Além do mais, há sempre lugares disponíveis...

Para isto acontecer é preciso penalizar os automóveis. Portagens nas cidades (a par de menos custos nas autoestradas do interior) são inevitáveis - até como forma de contrabalançar um país desigual. Os cidadãos das áreas metropolitanas do litoral têm transportes públicos que não usam e geram dívidas colossais. Entretanto, há um outro país que não tem transportes dignos e ainda por cima tem de contribuir através dos impostos para a STCP, Carris, Metros, etc... Não faz sentido.

Os portugueses necessitam de dar um salto em frente e pensar bem no que fazer aos novos fundos estruturais. Investir em "capital humano" também é diminuir o tempo das deslocações do quotidiano. "Ferrovia" não é apenas facilitar a vida às empresas com as mercadorias. "Pessoas" é algo de muito mais complexo do que "formação profissional" ou "reforço do emprego" através da exportação de contentores. Melhores transportes também é investir nas "pessoas". Sem equilíbrio entre a sociedade e a economia andamos sempre aos ziguezagues.

Retirada daqui