quarta-feira, 5 de março de 2014

A PERIGOSA ROLETA-RUSSA

Na melhor tradição dos bons "cowboys", o secretário de Estado norte-americano decidiu ameaçar a Rússia mal as tropas de Moscovo entraram na Crimeia, território dado a Kiev pela então União Soviética no pós-guerra sob algumas condições. 

Vaqueiro moderno, John Kerry não carregou os revólveres para cavalgar até à costa do mar Negro. Montou nos media e prometeu, sem hesitar, excluir os russos do G8 e aplicar sanções, imagina-se que económicas, contra o arquirrival de Washington. 

Partir para a ameaça pura e dura sem sequer ensaiar uma aproximação diplomática, por muito que neste contexto de pré-guerra ela se apresentasse estéril, não foi apenas pouco inteligente. 

Foi ineficaz e deve ter causado sorrisos no Kremlin. Por lá, sabe-se - e na Casa Branca deveria saber-se ainda melhor -, que o regresso da Guerra Fria não serve ninguém.

Kerry não anda pelas ruas de Washington. Se andasse e pudesse retirar das caixas de jornais um exemplar gratuito do "Politico", talvez percebesse a razão pela qual a ameaça ao estilo do velho Oeste não terá qualquer efeito junto da oligarquia de Putin. O periódico, feito por influentes antigos jornalistas políticos do "Washington Post", lembrava ontem que os russos invadiram a Ucrânia sem hesitação porque simplesmente já não respeitam os líderes da Europa, como aconteceu no rescaldo da Guerra Fria. 

E é assim porque, segundo o jornal, os oligarcas moscovitas pensam que, para os europeus, o dinheiro (ou a falta dele) é quem mais ordena. O "Politico" refere países em assistência ou em dificuldades, como a Espanha, Itália, Grécia ou Portugal, sedentos de investimento direto ou indireto da Rússia e a compra de propriedades milionárias por russos no Sul de França. 

Mas podia muito bem referir o Sul de Espanha ou o Algarve. Em resumo: dinheiro é coisa que não falta de momento à Rússia, pelo que acenar com sanções económicas, quando é parte do Ocidente que depende dos rublos de Moscovo, pode tornar--se numa ameaça algo patética.

O Mundo e a Europa em especial estão legitimamente preocupados com a tensão crescente na estratégica Crimeia. Há, felizmente, quem não embarque na tentação da política do olho por olho, protagonizada por Kerry e secundada por muitos países da União Europeia.

A Alemanha, que condenou a ação militar russa, poupou as ameaças estéreis e avançou com uma proposta de diálogo que, se ainda não deu frutos do ponto de vista diplomático, teve a virtude aparente de não ter atiçado o presidente russo. 

Aparentemente, Vladimir Putin aceitou a formação de um "grupo de contacto" com o objetivo de estabelecer um diálogo sobre a crise na Ucrânia, tal como foi proposto por Angela Merkel, numa clara ação de diplomacia paralela face às iniciativas da UE.

O avanço alemão pode dar em nada, mas se permitiu ganhar tempo numa altura em que russos e ucranianos podem avançar para a frente de batalha, então já valeu a pena. Até porque seria catastrófico que a crise na Crimeia se viesse a resolver militarmente. O diferendo terá de ser resolvido à mesa das negociações. Mesmo que o território volte a integrar, como parece ser inevitável, as fronteiras russas. 

O contrário será um banho de sangue e o regresso da Guerra Fria. 

Sem vencedores.

Retirada daqui