Aquele senhor ali, de calva rosada e redonda, olhos pestanejantes de menino velho, bochechinhas caídas, da cor da calva, tem mesmo ar de boa pessoa. Uma jóia. Uma raridade. Um paz de alma.
Todas as manhãs se senta à mesma mesa do nosso café do bairro e pede numa voz mansa, de palavras pronunciadas sílaba a sílaba:
- Se faz favor trazia-me uma meia de leite, mas não muito quente, acompanhada por um queque, de preferência ainda quentinho?
Pois no outro dia, entrou um desconhecido de rompante, lá no café, que se dirigiu sem hesitação ao senhor, a meio da sua chávena meia de leite.
- O senhor é que é o Abílio Gomes, não é? - perguntou ele, de dedo apontado, com muito maus modos.
E sem esperar pela resposta, nem sequer dar tempo ao senhor para poisar a chávena, pregou-lhe uma bofetada de todo o tamanho e saiu disparado, tal como entrara.
Esparramou-se o conteúdo da chávena, que se partiu mais o pires, no lajedo do café.
Eu, que estava perto, ainda apanhei uns salpicos.
Entretanto, o senhor, de bochechas muito mais rosadas do que o costume, mamava, imperturbável, o resto do queque, ensopado de café.
Indignei-me:
- Então o senhor apanha uma bofetada destas e fica-se?
Acabando de engolir o queque, o senhor só respondeu:
- O caso não era comigo. Deve ter sido engano. Eu nem me chamo Abílio?
António Torrado | Cristina Malaquias, aqui