segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O NATAL, A RAZÃO E INSTINTO

A prenda de Natal escolhida pelo Tomás, o meu filho mais velho, só estava disponível num determinado sítio de um determinado centro comercial

Pior: só havia duas unidades disponíveis. De modo que, ontem, levantei-me cedinho para estar à porta da loja mal ela abrisse. O esforço valeu a pena: no final da saga, comprei o que queria.

A saga começou com a interminável fila de automóveis que apanhei à minha frente; continuou com a dificuldade em estacionar; prosseguiu com a multidão por que tive de passar para chegar à estante onde estava o presente; seguiu com a chusma de gente que, entretanto, entrara no centro comercial (às 11h os potenciais compradores eram aos milhares); e terminou com o ziguezaguear por entre carros e mais carros, até que, por fim, entrei na autoestrada rumo ao Jornal de Notícias.

Não sei se os potenciais compradores que tomaram conta dos corredores daquele espaço comercial se tornaram efetivos compradores. Sei de ciência certa que, na loja em que entrei, o volume de negócios já ia alto àquelas horas. "Ontem [anteontem], isto foi uma loucura. Hoje [ontem] vai ser ainda pior", confidenciou-me o empregado que me atendeu. Ainda bem. Ou ainda mal?

A Economia é uma ciência social em que as emoções e as sensações se sobrepõem, tantas vezes, às previsões. É por isso que os modelos falham amiúde. É também por isso que o Excel do dr. Gaspar e da dra. Maria Luís arruinaram a vida a tanta gente. A maldade não está neles, coitados. A maldade está no modo como eles fazem as contas - e erram. O diabo, como se sabe, é amigo dos pormenores.

O ponto é este: naquele centro comercial, a economia estava ontem vibrante. Não interessa discutir as razões. Interessa discutir o facto: o instinto (natalício) dominou a razão, invertendo os termos que o quotidiano recomenda seguir.

O módico de felicidade que daí resulta não é mensurável. E ainda bem. O problema está no resto, que tem o tamanho do Adamastor. Ontem, numa interessante entrevista concedida ao semanário "Expresso", Subir Lall, o chefe de missão do FMI em Portugal, disse duas coisas que convém reter. Primeira: é muito cedo para excluir a hipótese de um segundo resgate. Segunda: é verdade que as exportações cresceram, mas, "se olharmos o mercado de trabalho, muita da recuperação [económica] está em setores orientados para a economia interna". Isto é: o modelo de crescimento não está afinado, e nada nos garante que o pior já passou.

O valor da prenda do Tomás está dentro do que o orçamento caseiro permite. Não estou seguro de que aconteça o mesmo com todos os potenciais compradores com que me cruzei no centro comercial. 

Bem sei que é Natal, mas o tempo aconselha a que a razão comande o instinto.

Retirada daqui