TUDO É OUSADO
E se não fosse agora. E se não
fosse eu. E se já fosse tarde, ou cedo de mais. E se estivesse mal parecida. E
se a cor do verniz fosse a errada.
Lembrei-me como estavas sempre
bem. Como eras adequado em dias de pânico. Lembrei-me que a tua camisa está
sempre irrepreensivelmente branca. Que não há pestana a mais, cabelo a menos,
vinco torto, palavra incómoda ou silêncio ruidoso.
E como faz quem se engana, encolhi-me
toda, rodei nos calcanhares, dei meia volta e virei-me para a rua.
Vi nela mais surpresa, mais
emoção, mais oportunidade, mais alegria, mais falha, mais mau, mais bom, mais
certo e errado ao mesmo tempo, mais corrupio e afã, mais cheiro e sabor, mais
calor, mais sentimento, mais imprevisibilidade.
Dei por mim a desejar tudo isso
que não tenho ao pé de ti. E a ver que o abismo mora é na certeza que te
cristaliza, que não te questiona nem faz de ti questionador.
Dispensei a segurança, o
acertado, o expectável, o certo e abracei o não sei.
Corro para o desconhecido.
E sinto-me feliz.