Em 2001 tiveram lugar umas históricas eleições autárquicas que viraram o país de pernas para o ar.
Assisti à divulgação dos resultados pela televisão, na companhia de amigos, e o repórter de serviço ia anunciando: “Em Coimbra ganhou o PSD… Em Oeiras ganhou o PSD… No Porto ganhou o PSD… Em Lisboa ganhou o PSD… E agora vai falar o líder do PS e primeiro-ministro, António Guterres”.
Aí, um dos meus amigos diz: “E o Guterres demite-se do Governo!”.
Indignei-me.
Retorqui-lhe: “Tu não percebes nada de política! Uma coisa são as eleições autárquicas, outra as legislativas. E não se podem tirar conclusões de umas eleições para outras…”.
O certo é que Guterres se demitiria mesmo, e eu teria de engolir o que acabara de dizer.
Entretanto, 12 anos passados sobre essas eleições, continuo a dizer exactamente o mesmo e a ensiná-lo aos meus alunos: “Uma coisa são as autárquicas e outra as legislativas. Se transformarmos as autárquicas numa espécie de legislativas intercalares, estamos a torcer a sua finalidade – e a adulterar a democracia. Cada eleição só deve servir para o fim a que se destina e não para outro”.
Se os ciclos governativos de quatro anos já são curtos, conduzindo a políticas de curto prazo, o que será de nós se esses ciclos se encurtarem ainda mais – e os governos começarem a agir tendo em conta não as próximas legislativas mas as autárquicas?
Será uma feira permanente.
Viveremos sempre em ambiente de campanha eleitoral.
Por isso, as pessoas responsáveis – como os ex-Presidentes da República ou os ex-ministros –, deveriam ter mais cuidado nas interpretações que fazem sobre o significado e o alcance de cada um dos actos eleitorais.
As eleições do próximo domingo servirão exclusivamente para eleger autarcas – e isso deve ser claríssimo na cabeça de todos.
Até para os eleitores poderem votar livremente nas pessoas que querem para a sua Câmara e junta de freguesia – tendo a garantia de que o seu voto não será abusivamente ‘usado’ para outros fins senão aqueles a que se destina.
É certo que a experiência mostra que algumas franjas de eleitores aproveitam as eleições autárquicas (e as europeias) para expressar o seu descontentamento relativamente às políticas do Governo.
Cavaco Silva, quando era primeiro-ministro, perdeu as autárquicas de 1989 e 1993, Guterres as de 1997 e 2001, Sócrates as de 2005 e 2009.
Mas, repito, é abusivo fazer leituras nacionais de eleições que só têm efeitos locais (até porque Cavaco, Guterres e Sócrates venceram legislativas depois de perderem autárquicas).
Nesta perspectiva, um dos grandes aliciantes das eleições de domingo vai ser o comportamento dos chamados ‘dinossauros’.
Pela primeira vez, por força da lei, há presidentes de Câmara que se vêem obrigados a candidatar-se num concelho diferente daquele que lideraram nos últimos anos.
E será muito revelador analisar o modo como os eleitores reagirão a essas candidaturas.
Nas duas principais cidades do país, Lisboa e Porto, há candidatos dinossauros.
E se é quase certa a derrota de Fernando Seara em Lisboa, em contrapartida é muito provável a vitória de Luís Filipe Menezes no Porto.
Só que, em Lisboa, Seara tem de defrontar um presidente que se recandidata – e a História também nos diz que estes ganham quase sempre; se não fosse assim, a incerteza seria maior.
Mas, deixando de lado as maiores cidades, o que acontecerá com Moita Flores (ex-Santarém) em Oeiras, com Ribau Esteves (ex-Ílhavo) em Aveiro, com Fernando Costa (ex-Caldas da Rainha) em Loures, ou com Álvaro Amaro (ex-Gouveia) na Guarda?
E, já agora, será obviamente interessante conhecer o desfeicho da luta em bastiões emblemáticos onde se instalou a dúvida: Braga, Gaia, Coimbra, Sintra, Faro, a já referida Oeiras...
Estes duelos pessoais e partidários animarão a noite de domingo.
Até porque, ao contrário de Guterres, Passos Coelho já garantiu que o resultado destas eleições não terá reflexos no Governo.
E assim, repito, é que deve ser.
Há 12 anos critiquei asperamente Guterres pela sua renúncia – que constituiu um péssimo sinal para o país e deu alento àqueles que querem misturar tudo para depois poderem pescar em águas turvas.
P.S. – Quando uma pessoa está umas semanas fora do país apercebe-se melhor de quanto é mesquinha a política portuguesa. É verdadeiramente lamentável a campanha contra a ministra das Finanças, ainda por cima com a troika em Portugal. Disse Zorrinho, o líder parlamentar do PS, que “por razões éticas” a ministra devia demitir-se, em consequência de uns quaisquer pareceres sobre os swaps. Ora, “por razões éticas”, o PS deveria estar calado, pois o seu Governo foi o grande promotor dos swaps. Como pode pretender dar lições de moral aos outros sobre determinado comportamento quem foi o seu principal instigador?
José António Saraiva, aqui
