Nota-se logo que vem aí o Orçamento do Estado quando se vê cada vez mais
gente de mão estendida.
Olhe à sua volta, leia os jornais, ouça a rádio, ligue a
televisão. Siglas, acrónimos por todo o lado. Bingo! Lá estão eles, tome
atenção, veja os porta-vozes, os sectores, os grupos de interesse, as
associações, a excitação.
Tudo o que mexe em Portugal já começou a pedir uma
facilidade, uma ajuda, uma atençãozinha se faz favor, obrigadinho. É incrível
como mudámos tão pouco.
Os mesmos hábitos, a mesma dependência, os privilégios disfarçados de "ajudas
a sectores-chave", "investimentos para criar emprego", "apoios para desenvolver
a economia local", os inevitáveis restaurantes e o IVA.
Tudo objetivos
magníficos e patriotas. Esta semana, foram os carros. Apesar de darem cabo da
balança comercial, também eles querem uma boleia: um incentivo ao abate de
automóveis vinha mesmo a calhar para salvar empregos, reanimar a indústria,
aleluia. A sr.ª Merkel, neste caso - só neste -, aprova de certeza a exceção que
irá pôr a economia a levitar. Gaspar, naquele seu estilo Asperger de manual,
tinha uma virtude. Não estava nem aí para muitos destes grupos. Não os recebia
sequer no ministério. Seria bom que tivesse deixado alguma escola no
Governo.
Escola, não é? Vamos agora criar o cheque-ensino para que as famílias tenham
mais opções. Ninguém sabe o que aí vem, como e quando exatamente, mas é um
projeto fantástico. Numa altura em que a escola pública sofre e a emergência
financeira obriga a que se reduza a despesa, o ministro da Educação decide
aumentar os subsídios às privadas.
É realmente o momento adequado. Invadir a
Rússia no inverno, comprar ações da Nokia, subsidiar o ensino privado. Hoje
diz-se timing. Toda a gente vai compreender a proposta.
Consigo imaginar os estudos que demonstram que custa menos um aluno no
privado do que no público, mesmo que esses números sejam contrariados por outros
números. Há ainda tantos autores para citar, até países para nomear. A Suécia,
por exemplo. Oh, quem desconfia dos suecos? Os suecos, tão bonzinhos, não são de
direita, são apenas loiros. Será que funcionou por lá? Mas isto não é uma
reforma, é um subsídio ao abate das escolas públicas, carcaças do Estado social,
ferro-velho ideológico.
Se há coisa que a troika percebeu quando aterrou aqui há dois anos foi a
urgência de liberalizar o mercado de produto - não era só o mercado de trabalho
-, uma maneira de dizer: chega de empresários protegidos, empreendedores
subsidiados pelos impostos, sustentados pela falta de escolha dos consumidores,
uma espécie de condicionalismo industrial 2.0.
Apesar do bruá, as rendas não
moram apenas na energia; em cada Orçamento, são mato as regras que brotam para
favorecer aquele negócio.
O dr. sabe. O Orçamento vem aí. Que tal uma borla ao
colunista?
André Macedo, aqui