terça-feira, 6 de agosto de 2013

ESTE GOVERNO OU O OUTRO?


Escrevi há oito dias que preferia o Governo ‘anterior’ a ‘este’. E não o fiz por capricho ou diletantismo. Em primeiro lugar, era muito saudável o facto de ser mais pequeno.

Eu sei que os ‘super-ministérios’ foram super-criticados.

Mas, num país em que o ‘bloco central’ tem fama de ser uma central distribuidora de tachos, Passos Coelho deu um importantíssimo sinal ao reduzir o número de ministros, mostrando que o PSD e o CDS não estavam ali para oferecer lugares.

Tratando-se de uma coligação, até seria natural que o número de ministros aumentasse, oferecendo aos dois partidos maior margem de manobra para distribuir pastas.

Fazer o contrário foi um acto de coragem, porventura voluntarista mas muito saudável.

Poucos políticos o teriam feito.

Era esta a primeira virtude do outro Governo.

A segunda virtude era integrar muita gente que não vinha das fileiras partidárias.

A principal crítica que se fazia a Passos Coelho antes de chegar a primeiro-ministro era ter sido fabricado dentro do partido, ser um ‘jota’, com pouco currículo para lá do construído portas adentro da S. Caetano.

Nessa medida, esperava-se que ele fizesse do PSD o seu grande campo de recrutamento: era esse o terreno que conhecia bem, seriam essas as pessoas que gostaria de premiar.

Ora, ao convidar independentes e figuras com perfil mais profissional que partidário – Vítor Gaspar, Nuno Crato, Paulo Macedo, Álvaro Santos Pereira, Paula Teixeira da Cruz –, Passos Coelho deu uma segunda lição aos seus críticos.

Transmitiu a ideia de ir buscar ‘os melhores’ – e não de ‘premiar os fiéis’ e os quadros do partido.

A única excepção a esta regra de quase ‘marginalização’ do PSD foi Miguel Relvas, mas compreende-se que o primeiro-ministro tenha querido ao seu lado um homem de confiança e com quem trabalhava há muito tempo.

Curiosamente, escolhido para ser o ‘elo mais forte’ do Executivo, Relvas transformar-se-ia no seu ‘elo mais fraco’.

Acrescente-se que o CDS seguiu um pouco a linha do PSD, pois Assunção Cristas e Mota Soares não eram apparatchiks.

Vamos, agora, analisar ‘este’ Governo e o ‘anterior’ pasta a pasta.

O primeiro-ministro é o mesmo, pelo que não há diferença. Foi o político que saiu melhor desta última crise. Mostrou paciência, ponderação, sentido de Estado e tranquilidade, mesmo nos piores momentos.

O número dois do Governo muda, deixando de ser Vítor Gaspar e passando a ser Paulo Portas. Acho que o país sai a perder, pois Gaspar era menos imprevisível e mais preparado tecnicamente do que Portas, desempenhando um papel de travão ao aumento da despesa que Portas dificilmente desempenhará. E isso pode ser um enorme problema.

O Ministério das Finanças em princípio também perde, pois antes tinha o n.º 1 e agora tem o antigo n.º 2. Os swaps são o problema menor para Maria Luís Albuquerque, pois trata-se apenas de uma manobra lamentável da oposição (o PS, que criou o problema, surge hipocritamente no papel de ‘acusador’).

O Ministério da Economia em teoria ganha com a troca de Álvaro Santos Pereira por António Pires de Lima. Mas também há aqui um perigo: as excessivas expectativas no relançamento da economia. Estamos num período em que é preciso continuar o ajustamento financeiro, e é mau criar-se uma ideia de facilitismo. Acresce que o próprio Pires de Lima – um homem ambicioso – quererá fazer obra e para isso precisará de dinheiro, podendo tornar-se dentro do Executivo um elefante numa loja de porcelana.

No MNE, o ‘novo’ Governo também não ficou a ganhar. Não está em causa Rui Machete, um político da velha escola, inteligente, seguro e conhecedor. Também não me refiro à questão do BPN, onde a oposição volta a mostrar pouca seriedade. Mas é notório que Machete não poderá fazer as maratonas que Portas fazia, e talvez não tenha a sua capacidade persuasiva.

Depois há os ministérios que não mudaram, e que estão bem entregues.

Paula Teixeira da Cruz é uma mulher séria, corajosa, frontal, independente, que neste momento já deve conhecer bem os dossiês de uma área tremendamente complexa.

Nuno Crato é um homem inteligente, criativo, que mostrou firmeza e habilidade política no conflito com os professores, embora algumas das suas medidas tenham lançado a confusão nas escolas.

Miguel Macedo tem feito um bom desempenho. Discreto, seguro, politicamente preparado, rápido a decidir e agir – já teve momentos aflitivos para gerir, como os incidentes junto ao Parlamento, e saiu-se bem.

Paulo Macedo é considerado por alguns ‘o melhor ministro’ deste Governo, e tem mostrado muita prudência e savoir faire negocial numa área crítica como a Saúde, conseguindo cortes substanciais. Com pezinhos de lã vai atingindo os objectivos.

Aguiar-Branco, o ministro da Defesa, tem um estilo diferente, mais truculento, mais ‘galo de Barcelos’, mas tem mostrado capacidade combativa perante os militares, que naturalmente protestam pois têm perdido regalias, mas não criou nenhum conflito insanável. Em alguns momentos saiu bem em defesa de actos políticos do Governo. Mas tem tido um osso duríssimo de roer com os estaleiros de Viana do Castelo.

Assunção Cristas foi uma ministra muito mediática, que com o seu entusiasmo e energia (que se manteve incólume até ao parto) teve a grande virtude de chamar a atenção para a Agricultura, onde se está a viver um tempo novo, ao qual ela fica associada.

Pedro Mota Soares tem uma imagem humilde, anti-arrogante, o que é um trunfo numa pasta tão delicada como a Segurança Social.

Ainda não falei dos dois ministros que substituíram Relvas: Marques Guedes e Poiares Maduro. O primeiro é sério e sólido, o segundo ainda conheço mal mas dizem-me que é hábil e bem preparado.

E também falta Jorge Moreira da Silva, que tem ar de menino sabichão – e do qual tenho excelente impressão.

Mas preferia o ‘outro’ Governo a ‘este’ porque era mais pequeno, tinha o trunfo de Gaspar como n.º 2 e ministro das Finanças, e beneficiava da energia de Portas como MNE.

Além disso, tinha uma independência em relação aos partidos que este Governo, em boa parte, perdeu.

Esse lado naïf, quase virginal, que o Governo ‘anterior’ tinha – e que nunca foi verdadeiramente salientado nem reconhecido – era para mim uma óptima qualidade.

José António Saraiva, aqui