1- Cavaco não se importou que este Governo demonstrasse a
sua incompetência a toda a hora, conviveu calmamente com a profunda
impreparação, suportou o deslumbramento ideológico e a ignorância, mas não
aguentou ser humilhado e chantageado pelos líderes da coligação.
Enquanto foi
com o País, o Presidente aguentou, quando lhe tocou a ele, a conversa foi outra
e acabou a confiança. Digamos que se esperava bem mais de Cavaco Silva.
Mas, convenhamos, nem este presidente, disposto a tudo para não exercer as suas funções, poderia pactuar com o lamentável espectáculo das últimas semanas.
Nem o mais inconsciente dos presidentes teria mantido a confiança nos presidentes dos partidos da coligação.
Passos e o ex-político Portas são tão credíveis e Cavaco Silva confia tanto
neles que aquela espécie de golpe de Estado, em que um partido com 12% dos votos
passava a governar o País sob o olhar de um primeiro-ministro que passaria a ser
um rei das Berlengas com residência em São Bento, não lhe mereceu uma palavrinha
que fosse.
Como é que o Presidente quer que CDS, PSD e PS façam um acordo, ou seja, que
confiem uns nos outros quando ele próprio não tem o mínimo de confiança nos
líderes dos dois partidos da coligação? Que parte do "vocês estão a mais" Passos
e Portas não perceberam?
2- Parece, porém, que Passos e Portas não perceberam que o
Presidente não confia neles e nem quer ouvir falar do take-over do
Governo pelo CDS. O primeiro-ministro, aliás, confessou no debate do Estado da
Nação que ainda tem de interpretar "aquilo", leia-se o discurso do Presidente da
República. Talvez fosse por isso que repetiu que tem um mandato e quer
cumpri-lo, esquecendo que Cavaco já lhe tinha, pelo menos, cortado um ano.
Já Portas, o politicamente incompatível, ou pelo seu óbvio problema em
entender o significado das palavras ou por estar irritado por lhe terem
estragado a barganha, insistiu. Disse, no seu discurso, que a remodelação
proposta era a solução para todos os problemas de coesão governamental. Só
faltou mesmo dizer que ele e Passos beberam alguma coisa que lhes tinha
finalmente feito ter sentido de Estado.
Talvez por estar a ver que Passos e Portas, o que obedece à sua consciência,
não teriam percebido a parte do discurso em que demonstrava que já não contava
com eles, talvez por não estar a gostar do espectáculo degradante que estava a
ser levado à cena no hemiciclo, em que um ex-ministro demissionário ou ex-futuro
vice-primeiro-ministro ou actual ninguém sabe o quê discursava, ex-futuros
ex-ministros sorriam como se nada fosse, ex-futuros ministros fantasmas pairavam
sobre a sala e um primeiro-ministro reafirmava o sucesso da sua política sem
sequer sorrir, o Presidente da República fez um comunicado durante o debate do
Estado da Nação ordenando aos partidos que se despachassem. Mais, lembrou que
transmitiu aos líderes dos partidos quais eram os elementos que deviam ser
tomados em conta.
Comunicar aos partidos àquela hora que tinham de chegar depressa a um acordo
e quais eram os elementos que deviam ter em conta foi como dizer que o que se
estava a passar na Assembleia era uma perda de tempo e que ele, e não os
partidos, é que sabia o que estava em causa.
3- Cavaco tinha razão: aquele debate foi uma perda de tempo.
Como também é uma perda de tempo o que ele está, tarde e a más horas, a tentar
fazer. Promover um acordo de regime com estes interlocutores, neste momento, já
não faz sentido. É inútil repetir que a perda de credibilidade em Passos e
Portas é total, que a falta de sentido de Estado dos dois é chocante. É inútil
voltar a lembrar o desastre das políticas. É inútil recordar a carta de Gaspar,
a demissão de Portas, a sucessão de trapalhadas. É demasiado evidente que este
Governo já não governa, apenas estrebucha e que não há remodelação que o
regenere.
Claro que o Presidente sabe que um acordo com esta gente é impossível, que
manter o País onze meses em campanha eleitoral é insustentável, que Seguro não
pode aceitar nenhum tipo de acordo, que o resgate ou outro nome que lhe queiram
dar é inevitável. Cavaco está apenas a fingir que acredita num acordo para que
possa marcar eleições antecipadas agora dizendo que tentou tudo.
Sim, fazer já eleições é uma péssima solução, mas é a melhor de todas. A que
permite limpar o ar, a que permitirá montar uma solução de consenso com alguma
credibilidade, sem estes líderes, portanto.
Pedro Marques Lopes, aqui