Aqui estou, não como um profeta mas como um servo do povo.
"Proferida na
tomada de posse como Chefe de Estado, a frase é um invulgar exemplo da enorme
grandeza da simplicidade. Sucede que, no caso de Nelson Mandela - foi dele a
frase quando tomou posse como presidente da República da África do Sul -, a
simplicidade não foi charme retórico.
E isso fez da sua grandeza algo
infinitamente maior que o brilho episódico e frágil dos pequenos heróis
mediáticos de circunstância.
O seu testemunho de firmeza valeu-lhe a condenação a
prisão perpétua em 1964 e o estigma de "perigoso terrorista internacional"
afivelado por muitos dos poderes que hoje lhe tecem hinos. Viveu com essa
condenação e com esse estigma durante um quarto de século. E soube vencê-los
pela resistência serena e firme. Mandela sintetizou na valentia da sua rutura
com o racismo institucionalizado e na firmeza da sua resistência o melhor de que
a humanidade é capaz. Devemos-lhe isso.
Bastaram dois dias após a libertação de Robben Island para que a bolsa caísse
a pique, para que o rand desvalorizasse em 10% e para que a De Beers
transferisse a sua sede para a Suíça. Os donos do poder económico perceberam que
o fim do apartheid político poderia ser apenas o começo do fim do apartheid
económico.
E a verdade é que a resposta do novo poder sul-africano, feita de
compromissos com as elites internas e com a nebulosa da governação global, se
encarregou de tirar força à crença, longamente maturada por Mandela, de que sem
redistribuição não haveria verdadeira liberdade e à sua consequente promessa,
escrita 15 dias antes da libertação do cárcere, de reconfiguração profunda da
ordem económica sul-africana como garantia do bem-estar do povo.
A causa de uma
vida - o fim do apartheid - ficou limitada ao político e esqueceu taticamente o
económico. A desigualdade e a discriminação continuaram matriciais na sociedade
sul-africana. Tivesse esse outro combate sido completado e certamente muitos dos
que hoje incensam o Mandela reconciliador o crucificassem politicamente como
quiseram fazer nos anos de chumbo da prisão.
Sem Nelson Mandela ficamos não sem um santo mas sem um dos melhores humanos.
Precisamos de gente assim, que combata sem ser por honrarias e que se mude a si
mesmo antes de convocar os outros à mudança. E precisamos de levar até ao fim -
na África do Sul como na Europa e em Portugal - o combate a todos os apartheids.
Não só os da raça mas todos os que impedem as pessoas de realizarem plenamente
as suas capacidades.
O longo caminho para a liberdade não acabou.
José Manuel Pureza, aqui