A OVELHINHA
Era uma ovelha tresmalhada.
Perdera-se do rebanho, quando lhe deu a sede e foi à cata de água nem ela sabia onde. Lembrava-se de ter bebido de uma poça acrescentada pelas chuvas. Mas isso fora dias atrás e, entretanto, a água naturalmente secara do tanto calor que fazia.
Desorientou-se. Eram tantas as oliveiras e azinheiras em redor, todas iguais, espalhadas pelos outeiros, que, para qualquer lado que se virasse, a paisagem não lhe dava sinal de orientação.
Apurou o ouvido, à espera de um balido ou de um soar de guizos das companheiras. Nada. Só o vento, um ventinho leve, bulindo nas folhas, agitando os ramos, levantando tufos queimados de cardos, que rolavam na secura do chão como num deserto.
Arrependeu-se da aventura. Ainda há pouco, tão em sossego com as outras do rebanho, tasquinhando uns restos de ervas, no remanso de uma sombra entre rochedos. Mas apetecera-lhe experimentar uma verdura desconhecida e saíra-se mal da prova. Era amargosa a planta, arranhava a boca, puxava à água. Pois sim, mas onde encontrá-la, naquela desolação?
Bem a tinha avisado, em tempos, a avó, ovelha ruça e experiente:
Perdera-se do rebanho, quando lhe deu a sede e foi à cata de água nem ela sabia onde. Lembrava-se de ter bebido de uma poça acrescentada pelas chuvas. Mas isso fora dias atrás e, entretanto, a água naturalmente secara do tanto calor que fazia.
Desorientou-se. Eram tantas as oliveiras e azinheiras em redor, todas iguais, espalhadas pelos outeiros, que, para qualquer lado que se virasse, a paisagem não lhe dava sinal de orientação.
Apurou o ouvido, à espera de um balido ou de um soar de guizos das companheiras. Nada. Só o vento, um ventinho leve, bulindo nas folhas, agitando os ramos, levantando tufos queimados de cardos, que rolavam na secura do chão como num deserto.
Arrependeu-se da aventura. Ainda há pouco, tão em sossego com as outras do rebanho, tasquinhando uns restos de ervas, no remanso de uma sombra entre rochedos. Mas apetecera-lhe experimentar uma verdura desconhecida e saíra-se mal da prova. Era amargosa a planta, arranhava a boca, puxava à água. Pois sim, mas onde encontrá-la, naquela desolação?
Bem a tinha avisado, em tempos, a avó, ovelha ruça e experiente:
- Pasta só o que as outras pastam. Nunca te apartes do rebanho.
Bons conselhos eram, mas à ovelhinha nova dava-lhe raiva seguir na pisada das que, antes dela, deixavam a erva ceifada pela raiz. Com que sobras mataria a fome? Que pena a avó já não pertencer ao rebanho, para lhe perguntar.
Fome e sede era o que sentia, agora, naquele ermo.
Ia a atrever-se pela boca de uma gruta, na base de um cabeço, mas teve medo. Havia de estar fresco, lá dentro. Talvez gotejasse, a escorrer das paredes, humidade que bastasse à sua sede. Talvez encontrasse ração de ervas frescas e doces. À medida da sua fome.
Mas também podia enfrentar surpresas desagradáveis, acoitadas no escuro. Cobra, sardão ou bicho pior, sabe-se lá se lobo, dos muitos que a ovelhinha conhecia das histórias, contadas, à noite, no redil, pelas mais velhas do rebanho.
A ovelha tresmalhada arrepiou-se toda e com o arrepio soltou o primeiro balido, a pedir socorro.
Os cães haviam de ouvi-la, se a não ouvissem os pastores, garotos ainda, decerto entretidos a jogar às pedrinhas ou a brincar ao agarra.
O vento apagou-se, num repente. As cigarras calaram-se. Tudo mergulhou num grande silêncio.
Aproveitando-o, a ovelha gritou mais alto o seu susto.
Foi quando uma grande nuvem, cerrada e imprevista, tapou o Sol. A sombra que estendeu sobre a terra fez crer que, de súbito, o dia terminara. A ovelha não sabia de horas, mas admirou-se que tão depressa descesse a noite. Mais se assustou. Mais baliu.
Não demorou muito a cerração. A cortina do céu rompeu-se e um feixe de luz desceu sobre aquele recanto recolhido do mundo.
Atraída pelo leve clarão, que caía mais adiante, numa mata de azinheiras, a ovelha correu, esquecida do medo que ainda há pouco a paralisara.
Ouviu vozes. Viu o rebanho. Enfim.
Cessavam os sobressaltos. Tudo se recompunha em boa paz. O seu coração humilde podia, de novo, bater mais tranquilo. Ela já não era uma ovelha tresmalhada.
Bons conselhos eram, mas à ovelhinha nova dava-lhe raiva seguir na pisada das que, antes dela, deixavam a erva ceifada pela raiz. Com que sobras mataria a fome? Que pena a avó já não pertencer ao rebanho, para lhe perguntar.
Fome e sede era o que sentia, agora, naquele ermo.
Ia a atrever-se pela boca de uma gruta, na base de um cabeço, mas teve medo. Havia de estar fresco, lá dentro. Talvez gotejasse, a escorrer das paredes, humidade que bastasse à sua sede. Talvez encontrasse ração de ervas frescas e doces. À medida da sua fome.
Mas também podia enfrentar surpresas desagradáveis, acoitadas no escuro. Cobra, sardão ou bicho pior, sabe-se lá se lobo, dos muitos que a ovelhinha conhecia das histórias, contadas, à noite, no redil, pelas mais velhas do rebanho.
A ovelha tresmalhada arrepiou-se toda e com o arrepio soltou o primeiro balido, a pedir socorro.
Os cães haviam de ouvi-la, se a não ouvissem os pastores, garotos ainda, decerto entretidos a jogar às pedrinhas ou a brincar ao agarra.
O vento apagou-se, num repente. As cigarras calaram-se. Tudo mergulhou num grande silêncio.
Aproveitando-o, a ovelha gritou mais alto o seu susto.
Foi quando uma grande nuvem, cerrada e imprevista, tapou o Sol. A sombra que estendeu sobre a terra fez crer que, de súbito, o dia terminara. A ovelha não sabia de horas, mas admirou-se que tão depressa descesse a noite. Mais se assustou. Mais baliu.
Não demorou muito a cerração. A cortina do céu rompeu-se e um feixe de luz desceu sobre aquele recanto recolhido do mundo.
Atraída pelo leve clarão, que caía mais adiante, numa mata de azinheiras, a ovelha correu, esquecida do medo que ainda há pouco a paralisara.
Ouviu vozes. Viu o rebanho. Enfim.
Cessavam os sobressaltos. Tudo se recompunha em boa paz. O seu coração humilde podia, de novo, bater mais tranquilo. Ela já não era uma ovelha tresmalhada.
António Torrado e Cristina Malaquias, aqui
