quinta-feira, 18 de abril de 2013

O OVO COLOMBIANO


Em Maputo, na Avenida Vladimir Lenine, vendem-se sapatos em segunda mão. Chegam de Portugal em contentores cheios até ao teto, cabe sempre mais um par.

Antes de serem espalhados pelo chão, os sapatos passam por alguidares de água onde levam um banho de juventude arrancado a escova e à unha. No fim parecem quase novos - novos usados. 

O esforço compensa: os vendedores fazem negócio, os clientes saem contentes, ninguém se lembra de que aqueles sapatos já não serviam para nada de onde vieram. As relações entre portugueses e moçambicanos são um pouco assim. 


Fizeram milhares de quilómetros juntos, acomodaram-se, foram-se desgastando. Hoje procuram ganhar nova vida. No entanto, as promessas políticas raramente são cumpridas e a força das relações entre os dois países é apenas levemente aproveitada. Levaram meias solas, mas continuam mal amanhadas.

Lembrei-me de Moçambique porque estou por estes dias em Bogotá, na Colômbia, e anteontem ouvi Cavaco Silva falar da nossa relação com os países africanos lusófonos como forma de atrair o investimento latino-americano para Portugal. Foi conversa de Presidente para Presidente, de Cavaco para Juan (Manuel Santos), mas os jornalistas de Bogotá pegaram logo na frase porque não tinham olhado para o assunto desta maneira. 

Portugal e África na mesma frase é notícia, dá um bom título, torna-nos maiores, mais relevantes, mais interessantes. Portugal é, para os colombianos, uma ponte frágil para chegar à União Europeia (os espanhóis contam mais), mas vocês (nós), dizia-me um empresário daqui, podem ser bons sócios para chegarmos a esse continente. Há duas semanas, na visita que Paulo Portas fez à Índia, aconteceu o mesmo. Sempre que um português dizia que tinha negócios em África, os indianos esticavam os ouvidos. Portugal? Sim, sim, interessante. Portugal & África? Interessantíssimo!

Apesar de ser assim, apesar de ser evidente que Portugal tem muito a ganhar em aproximar-se convictamente de Moçambique e de Angola, mas também de Cabo Verde e São Tomé, o impulso político português nesta área é quase inexistente. Cavaco já incorporou a ideia africana nos discursos oficiais, mas ainda é uma tentativa envergonhada. 

Nas apresentações aos empresários estrangeiros gasta-se mais tempo a falar das maravilhas dos investimentos europeus em Portugal - como se precisássemos acima de tudo de provar que fazemos parte desse clube - do que a mostrar o que as empresas portuguesas estão a fazer em Angola e em Moçambique ou até o caminho inverso: o que estes países estão a conseguir em Portugal. 

Nos dois lados, nem tudo é bom, mas também nem tudo é mau. Há uma relação, há economia, é, portanto, o ovo de Colombo: difícil de lá chegar, mas depois maravilhosamente simples e óbvio.

André Macedo, aqui