quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O PAÍS DAS PALAVRAS

Passamos a vida a discutir palavras

É frequente os telejornais não abrirem com factos – mas com polémicas sobre o que este ou aquele disseram.

Fernando Ulrich disse há 15 dias, no seu estilo um tanto provocatório, uma coisa óbvia: que, se os sem-abrigo aguentam, pessoas que vivem com muito menos dificuldades também podem aguentar. Mas isto foi motivo para alarido nacional.


Isabel Jonet afirmou há meses que algumas famílias não poderão comer bife todos os dias, como faziam antes, e que outras terão de poupar mais. Mas a afirmação, embora inócua, também foi motivo de indignação geral.

O cardeal-patriarca afiançou há tempos uma ideia igualmente indiscutível: que as manifestações não resolvem os problemas do país e até os podem agravar. Bastou isto para se ouvir um novo toque a rebate e um coro de críticas inflamadas.

O primeiro-ministro, um tanto a medo, sugeriu aos professores que não consigam ser colocados em Portugal a hipótese de experimentarem outros países de língua portuguesa. Nova polémica se abateu sobre a Nação.

O Presidente da República declarou que as suas reformas, depois dos cortes, não lhe deveriam chegar para pagar as despesas, tendo de recorrer às suas poupanças e às da mulher. Caiu o Carmo e a Trindade – e houve intermináveis debates nas televisões sobre o assunto.

Parece que nos tornámos todos tontinhos – ou um tanto infantis.

Gastamos as nossas energias com estas polémicas que não interessam nada (para não falar nos escandalozinhos de trazer por casa que todos os dias aparecem na imprensa).

Na questão dos sem-abrigo, Fernando Ulrich disse o óbvio: se eles aguentam, outros com muito menos dificuldades podem também aguentar.

O argumento de que Ulrich não tem o direito de fazer uma afirmação dessas, porque ganha muito dinheiro, não colhe: a ser assim, ninguém poderia falar de salários, ou melhor, só poderia falar de salários quem ganhasse o ordenado mínimo nacional.

Mas, deixando de lado os sem-abrigo, quem viaja pelo mundo e percorre países onde há verdadeiros problemas choca-se com o que ouve quando chega aqui.

Um amigo meu que vive em África indigna-se sempre que desembarca em Portugal: ‘Vocês protestam por não poderem ir jantar tantas vezes fora, não poderem comprar um vestido novo ou uns ténis de marca para os filhos? Vocês não sabem o que são dificuldades’.

Para estas pessoas as nossas queixas são ofensivas.

Claro que há hoje muita gente em Portugal a passar mesmo muito mal.

Mas não são esses os que mais protestam; os que mais protestam são os que se aproveitam desses para fazer chicana política.

Dir-se-á agora que as comparações com outras regiões do mundo são ilegítimas, pois não estamos em África, nem na Ásia, nem na América – estamos na Europa.

Só que é mesmo esse o problema!

As condições de vida em Portugal e na Europa têm-se degradado porque muitos países europeus deixaram de ser competitivos – e as empresas fogem daqui para procurarem paragens mais económicas.

Ainda na semana passada uma fábrica de ursos de peluche em Oleiros, onde curiosamente se produziam os ursinhos que Merkel deu a Sarkozy por ocasião do nascimento da filha, mudou-se para a Tunísia.

E não vale a pena atirar pedras aos administradores que tomaram a decisão nem chorar sobre o leite derramado.

Se eles se mudaram para lá, é porque vão fabricar o mesmo produto a melhor preço – e isto é o que hoje todas as empresas pretendem.

Portanto, para combatermos este fenómeno, só temos um caminho: ser mais competitivos.

Se os outros conseguem produzir a preço mais baixo, nós também temos de conseguir.

E, se produzir a melhor preço implicar salários mais baixos (além de menos impostos e de melhores condições), temos de baixar os salários neste ou naquele sector – porque é preferível ganhar menos a não ganhar nada.

A alternativa é irmos perdendo cada vez mais fábricas e serviços, acumulando mais desemprego.

Muita gente ainda não percebeu que vivemos hoje num mundo global, competitivo, em que os Governos nacionais já não decidem muita coisa – e é o mercado quem decide.

Uns chamam a isto neoliberalismo.

E dizem que é preciso aumentar o poder dos Estados, para refrear este capitalismo selvagem.

E que é preciso desenterrar as ideologias.

Ora, eu recordo que foi o poder dos Estados e foram as ideologias que levaram os europeus aos extremos do terror, com o nazismo e o comunismo.

E que alguns daqueles que apontaram o dedo acusador a Ulrich são militantes de partidos que aplaudiram monstros chamados José Estaline ou Mao Tsé-Tung, que mandaram matar milhões de seres humanos inocentes e chacinaram os seus próprios amigos e aliados em nome de uma ‘ideologia salvadora’.

Isto é que mete medo.

E isto são factos, não são… palavras.

José António Saraiva, aqui