quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A SANGUE-FRIO, SEM ANESTESIA

Recusei os duodécimos porque tenho a sorte - talvez condimentada por alguma, pouca, sabedoria - de enfrentar esta tempestade equipado com gabardina, galochas e guarda-chuva

Não só estou completamente desalavancado (sem dívidas), como ainda por cima tenho um trabalho que me garante um salário religiosamente depositado no banco ao fim do mês.


Sem ofensa para Américo Amorim (que afirma não ser rico) e Cristiano Ronaldo (que declara ser rico, além de bonito), e dado que não sou importante ao ponto de ter de aparentar humildade, até posso confessar que me sinto rico - pelo menos de acordo com a sábia definição do historiador Edward Gibson, uma vez que tenho rendimentos superiores às despesas e as despesas correspondem ao essencial dos meus desejos.

Rogando-vos que me perdoem o desabafo que justifica a minha opção em receber por inteiro, e na altura devida, subsídio de férias e 13.0º mês, confesso ter ficado espantado por esta minha recusa dos duodécimos ter sido também a adotada por cerca de 2/3 dos trabalhadores das empresas privadas

O facto desta recusa ter implicado o empenho ativo de a manifestar, já que por defeito estariam no regime de duodécimos, só aumentou a minha surpresa, pelo que me tenho esforçado, espremendo as meninges e lendo a propósito, para tentar compreender o fenómeno e aprender com ele.

À primeira vista, Fernando Ulrich tinha razão quanto à capacidade das famílias para acomodarem mais austeridade.

Em vez de aceitarem o regime inventado pela UGT (e que recebeu pronto apoio de Governo e do PS e a firme oposição da CGTP) para mitigar o enorme aumento da carga fiscal, os trabalhadores preferiram aguentar estoicamente, recusando a anestesia que podia camuflar a dor, e ajustaram as despesas de modo a poderem viver com aquilo que têm.

Se encararmos esta questão como uma sondagem ao estado da tesouraria dos lares portugueses, Passos e Gaspar têm razões para sorrir, pois ela parece revelar que as famílias com rendimentos mais baixos, que têm o dinheiro contado até ao último cêntimo, não foram muito fustigadas pelo brutal aumento de impostos, já que puderam dispensar a ajuda dos duodécimos.

Já quanto às famílias de classe média, a recusa dos duodécimos significa que ainda dispõem de margem para ajustar os consumos mensais.

A má notícia é que receber 14 salários (uma modernice da Europa do Sul) faz parte da cultura dos trabalhadores portugueses, o que é um sério obstáculo aos planos do Governo e das organizações patronais para aproveitarem a deixa e reduzirem o vencimento anual a 12 prestações mensais.

O lado muito bom da coisa é a nossa enorme capacidade de adaptação a situações adversas, que nos leva a preferir viver no incómodo da incerteza do que numa tranquilidade enganosa.

Retirada daqui