domingo, 27 de janeiro de 2013

OS VENDEDORES DE ALUCINAÇÕES

Enquanto a muito aguardada legislação sobre as smartshops vegeta algures na interminável burocracia do nosso edifício legislativo, este jornal deu conta de mais um caso grave, envolvendo três adolescentes, com idade entre 13 e 15 anos, que terão dado entrada no hospital de Beja, com sintomas de intoxicação, depois de terem consumido substâncias adquiridas numa dessas lojas.

Entretanto, as lojas continuam a fazer a sua campanha publicitária sem esconderem o que oferecem. Ainda que se reclame como comerciante de plantas tradicionais, a "Smartshop Imperium" garante que lá se "podem encontrar todas as iguarias para alucinares a tua mente". 

O líder do mercado, com o sugestivo nome de "Cogumelo Mágico", propõe uma mensagem de cariz anarquista. Na sua página da web, defende a "luta é pela legalização do livre comércio de sementes e a descriminalização e despenalização do auto cultivo de canábis, dado que satisfaz plenamente e totalmente as necessidades do consumidor, tanto na quantidade, como na garantia do controlo de qualidade". 

Depois, proclama, em letras gordas: "mata o Capitalismo, evita o tráfico, cultiva em casa e garante que já basta de hipócritas e de tanta hipocrisia". Curioso como o líder do mercado defende, sem hipocrisia e em mau português, o fim do capitalismo e promete que "não há bala de prata que nos mate, os anarquistas temos (sic) uma poção mágica que nos faz invencíveis".

Não sei se a nova legislação será eficaz. Pretende limitar a venda de "drogas legais" e exigir período de teste antes de serem colocadas no mercado para se verificar se são perigosas para a saúde. Mas, se as drogas são disfarçadas de adubo, como é possível fazer um teste sobre a perigosidade do seu consumo? Como poderá a ASAE, tão eficaz na perseguição aos produtores de alheiras e compotas caseiras, resolver esta questão? De facto, não é fácil de resolver. 

Num outro caso recente, que também envolveu dois menores, desta vez em Évora, o comandante da PSP adiantou que esses jovens teriam fumado um produto que, nas smartshops é "vendido como incenso". Ora, a rotulagem do produto dizia que este não era para consumo humano...

Este não é um problema novo. O mesmo acontecia, no passado com a cola que era inalada pelos meninos da rua, com o "spray" de éter que era vendido nas farmácias para tratar as picadelas do peixe-aranha... A questão é que não havia, então, quem promovesse esses produtos como uma iguaria, capaz de proporcionar alucinações.

Temo, por isso, que a solução legislativa não seja a mais eficiente. A exemplo do que sucedeu no combate às drogas tradicionais, a informação é a melhor forma de proteger os jovens. Foi isso que faltou à minha geração, particularmente flagelada com o aparecimento das drogas nos anos setenta do século passado. Nesse sentido, e sabendo-se que os consumidores destas drogas são, na sua esmagadora maioria, jovens entre os 15 e os 25 anos de idade, seria preciso sensibilizá-los para os riscos das substâncias psicoativas, desmitificando a crença, propalada pelo seu comércio, de que a sua origem natural as transforma em drogas inócuas. E isso pode ser feito recorrendo às redes sociais e à sensibilização na escola.

Quanto às smartshops, e admitindo que a regulação da venda, proposta pela futura lei, possa ter algum impacto, deveria haver uma forma de fiscalização mais eficiente. A limitação de entrada a maiores de 18 anos é uma mera hipocrisia, tanto mais que fazem entregas ao domicílio... Melhor seria penalizar os métodos de venda e a publicidade que induzem o consumo de produtos que, como o seu rótulo reclama mas o lojista contraria, não são destinados ao consumo humano. Para ser claro, será preciso uma legislação nova para punir o dono da drogaria tradicional se este recomendar aos seus clientes que bebam diluente, ou que fumem naftalina? Ou a um herbanário tradicional que publicite as virtudes, e recomende a ingestão de cicuta, garantindo o acesso rápido ao paraíso? Afinal, é só esta a questão...

Retirada daqui