Enquanto a muito aguardada legislação sobre as smartshops
vegeta algures na interminável burocracia do nosso edifício legislativo, este
jornal deu conta de mais um caso grave, envolvendo três adolescentes, com idade
entre 13 e 15 anos, que terão dado entrada no hospital de Beja, com sintomas de
intoxicação, depois de terem consumido substâncias adquiridas numa dessas lojas.
O líder do mercado, com o sugestivo nome
de "Cogumelo Mágico", propõe uma mensagem de cariz anarquista. Na sua página da
web, defende a "luta é pela legalização do livre comércio de sementes e a
descriminalização e despenalização do auto cultivo de canábis, dado que satisfaz
plenamente e totalmente as necessidades do consumidor, tanto na quantidade, como
na garantia do controlo de qualidade".
Depois, proclama, em letras gordas: "mata
o Capitalismo, evita o tráfico, cultiva em casa e garante que já basta de
hipócritas e de tanta hipocrisia". Curioso como o líder do mercado defende, sem
hipocrisia e em mau português, o fim do capitalismo e promete que "não há bala
de prata que nos mate, os anarquistas temos (sic) uma poção mágica que nos faz
invencíveis".
Não sei se a nova legislação será eficaz. Pretende limitar a venda de "drogas
legais" e exigir período de teste antes de serem colocadas no mercado para se
verificar se são perigosas para a saúde. Mas, se as drogas são disfarçadas de
adubo, como é possível fazer um teste sobre a perigosidade do seu consumo? Como
poderá a ASAE, tão eficaz na perseguição aos produtores de alheiras e compotas
caseiras, resolver esta questão? De facto, não é fácil de resolver.
Num outro
caso recente, que também envolveu dois menores, desta vez em Évora, o comandante
da PSP adiantou que esses jovens teriam fumado um produto que, nas smartshops é
"vendido como incenso". Ora, a rotulagem do produto dizia que este não era para
consumo humano...
Este não é um problema novo. O mesmo acontecia, no passado com a cola que era
inalada pelos meninos da rua, com o "spray" de éter que era vendido nas
farmácias para tratar as picadelas do peixe-aranha... A questão é que não havia,
então, quem promovesse esses produtos como uma iguaria, capaz de proporcionar
alucinações.
Temo, por isso, que a solução legislativa não seja a mais eficiente. A
exemplo do que sucedeu no combate às drogas tradicionais, a informação é a
melhor forma de proteger os jovens. Foi isso que faltou à minha geração,
particularmente flagelada com o aparecimento das drogas nos anos setenta do
século passado. Nesse sentido, e sabendo-se que os consumidores destas drogas
são, na sua esmagadora maioria, jovens entre os 15 e os 25 anos de idade, seria
preciso sensibilizá-los para os riscos das substâncias psicoativas,
desmitificando a crença, propalada pelo seu comércio, de que a sua origem
natural as transforma em drogas inócuas. E isso pode ser feito recorrendo às
redes sociais e à sensibilização na escola.
Quanto às smartshops, e admitindo que a regulação da venda, proposta pela
futura lei, possa ter algum impacto, deveria haver uma forma de fiscalização
mais eficiente. A limitação de entrada a maiores de 18 anos é uma mera
hipocrisia, tanto mais que fazem entregas ao domicílio... Melhor seria penalizar
os métodos de venda e a publicidade que induzem o consumo de produtos que, como
o seu rótulo reclama mas o lojista contraria, não são destinados ao consumo
humano. Para ser claro, será preciso uma legislação nova para punir o dono da
drogaria tradicional se este recomendar aos seus clientes que bebam diluente, ou
que fumem naftalina? Ou a um herbanário tradicional que publicite as virtudes, e
recomende a ingestão de cicuta, garantindo o acesso rápido ao paraíso? Afinal, é
só esta a questão...
Retirada daqui