sábado, 17 de novembro de 2012

UMA ASSOALHADA COM VISTA DAQUI

Ela tinha medo. Algum. Aquela quantidade de medo suficiente para acordar com uma espécie de buraco negro dentro do peito

Acordava em lado nenhum ou num sítio qualquer onde não tinha bem a certeza de estar. De realmente ser capaz de estar.


Tinha-se habituado a existir aqui e ali. Sem onde. Sem lugar. Existir só assim. Em qualquer sítio.

Custa muito procurar casa. Custa mais encontrar uma com uma renda suportável e com divisões que cheguem para guardar tudo o que se sente.

Umas são giras mas têm escadas velhas com degraus demasiado estreitos.

Outras têm elevadores que avariam com facilidade. A quase todas falta qualquer coisa. Ou quase todas têm qualquer coisa a precisar de restauro, de arranjo ou de obras profundas.

Ela tinha medo. Algum. Aquela quantidade suficiente para se questionar todas as horas sobre quantos minutos faltam para daqui a bocado. Como se daqui a um bocado fosse o momento certo ou um sítio bestial.

Andava à procura de casa há muito tempo. Tinha estado dentro de várias o tempo suficiente para perceber que não podia lá viver. Umas porque tinham janelas mal calafetadas, outras porque cheiravam a mofo de outras histórias que não eram a dela.

Não tinha preferência por rés-do-chão ou último andar. Queria arrumos para armazenar memórias e paredes para pintar de fresco.  Queria um open space para criar presentes e uma janela grande para sonhar amanhãs.

Tinha medo. Algum. Mas não o suficiente para desistir de encontrar um sítio para morar. Um que precisasse dela para ser habitado.

Daqui a bocado afinal pode ser já ali. E ali é perto e parece ser um sítio bom para morar.

Talvez um dia ela lhe chame casa. Ou ele a ela.   

Cristina Gameiro, aqui