Identificados os problemas, é preciso criarum ambiente mais favorável aos negócios e estabilidade fiscal de forma a atrair investimento estrangeiro produtivo e não apenas financeiroNão se destacaram, completaram-se.
O vasto painel de oradores que ontem participou no debate sobre o próximo Orçamento do Estado organizado pelo Fórum da Competitividade acabou por ser coeso, com cada uma das intervenções a acrescentar um ângulo novo sobre o estado da economia portuguesa e os problemas estruturais, que correm o risco de sobreviver, incólumes, ao período pós-intervenção da troika.
O orçamento para o próximo ano foi o ponto de partida para uma análise que superou, em muito, as contas anuais do Estado e evidenciou a fragilidade de equilíbrios conseguidos somente à custa de mais e mais austeridade, imposta essencialmente pelos nossos credores. Despesas sociais, desequilíbrios da balança comercial, quebra das remessas de emigrantes, políticas governativas mal orientadas foram alguns dos problemas identificados.
Quanto às soluções, passam pela criação de um clima mais favorável aos negócios, atracção de investimento produtivo e não financeiro e exportações de qualidade. Um sem-número de perspectivas, sem consenso absoluto mas sem divergências de fundo.
Modelo falido
“O modelo que inspirava a política económica até 2012 faliu”, resumiu João Salgueiro, economista, que passou por alguns cargos políticos e pela liderança de várias instituições financeiras. “Foi uma necessidade imposta pela realidade que levou a uma assinatura de cruz daquilo que outros entenderam que era o futuro de Portugal. Mas era importante que não seguíssemos a linha de bater na parede para mudarmos de rumo.”
A abrir o debate esteve Pedro Ferraz da Costa, antes patrão dos patrões, agora presidente do Fórum para a Competitividade. Com uma palavra de louvor para “o esforço de redução da dívida realizado pelas famílias e pelas empresas” e uma crítica ao Estado, que “tem mostrado grande dificuldade em cumprir a sua parte na redução da dívida e do peso, muito negativo, que a sua absorção de recursos constitui para as necessidades de investimento em novas actividades”.
Medina Carreira optou por apontar baterias ao Estado social, pondo ênfase nas contas de “muito, muito longo prazo, ao contrário do português normal, mesmo o que pertence à elite, que só raciocina ao trimestre”. Para o ex-ministro das Finanças, o problema actual da economia nacional reside essencialmente no peso das prestações sociais no produto interno bruto (PIB), em particular as pensões, que em 1960 não chegavam a 1% do produto para atingirem os 13% em 2010. “Neste período”, acrescentou Medina Carreira, “a despesa primária andou sempre a subir mais depressa que a economia. E a partir de 1980 as receitas fiscais ficaram sempre aquém da despesa pública”. Ou seja, defendeu o economista, um Estado com recursos cada vez menores e responsabilidades cada vez maiores, alimentado por impostos até entrar em ruptura. “A quase totalidade dos impostos serve para pagar pensões e despesas com pessoal”, disse, salientando que em 30 anos, de 1980 para 2010, a economia cresceu em média 2% e as despesas sociais 4%.
Enquanto João Salgueiro optou por salientar que o que estamos a viver “não é uma crise porque não vamos voltar às coordenadas de antes, temos de criar um novo enquadramento e é isso que não tem sido focado”, Vítor Bento referiu a “perda da almofada interna constituída pelas receitas de emigrantes e transferências europeias, que em 1995 eram 6% do PIB contra cerca de –2% em 2011 para o mesmo nível de despesa”. “Tivemos de cobrir a diferença através do endividamento. Os juros acabam por consumir o rendimento disponível da nação. E não houve reflexos na despesa”, disse o economista.
Menos Despesa
Vítor Bento considera que a despesa interna deve descer para um nível comportável, através da austeridade e da desvalorização real. “Agora só podemos utilizar a austeridade, que, de certa forma, já corrigiu os de- sequilíbrios internos. Se conseguíssemos resolver a parte externa, veríamos que o ajustamento interno até foi excessivo. Mas temos de criar produção adicional para o mercado externo que nos permita chegar ao equilíbrio interno. Enquanto não conseguirmos resolver a taxa de câmbio real não vamos conseguir resolver o desequilíbrio.”
Lopo Xavier, outro dos oradores, defendeu que parte da solução passa por um quadro mínimo de estabilidade fiscal para os negócios. “Portugal está em sétimo lugar na OCDE na lista de países que mais tributam os negócios. Se não fizer esse exercício, não conseguirá trazer investimento estrangeiro. Não vale a pena inventarmos incentivos ou baixarmos as taxas quando o relacionamento com a administração fiscal está como está. Dez por cento do PIB encontra-se nos tribunais por causa de problemas fiscais.”
Convidado para o almoço, o secretário-geral do Partido Socialista é favorável a que o BCE actue de forma mais eficaz contra a crise, salientando que hoje já se “começa a delinear um consenso sobre a estratégia da austeridade do custe o que custar que só conduz ao empobrecimento e não resolve os problemas do país”.
Margarida Bon de Sousa, aqui