"Não há dinheiro, não há prendas, não há Natal" foi a resposta
taxativa de uma das inquiridas sobre se ia gastar menos em presentes. A festa da
família reduzida ao consumo.
Recordei estas afirmações quando algumas declarações simplistas de Isabel
Jonet deram o pretexto à polícia dos costumes que se acoita na Internet para os
habituais insultos e pedidos de demissão solenizados, desta feita em petições
públicas.
Os exemplos que deu foram desajeitados, mas o que enfureceu os censores foi a
sua chamada à responsabilidade, individual ou colectiva, fora da tutela do
Estado - se dúvidas houvesse, veja-se como termina o texto de uma das petições.
O que torna Jonet num alvo odiado é o sucesso do BA, a sua capacidade de
mobilização de donativos e pessoas, o seu impacto por esse país fora e de tudo
isso não passar pela sacrossanta mão longa estatal e, pior ainda, de contrariar
o "quanto pior, melhor", motor da revolução.
Uma iniciativa como o BA não está isenta de problemas. A sua mediatização
pode degenerar no hegemonismo, secando outras iniciativas com menos
visibilidade, mas não menos mérito. As campanhas centradas nas grandes
superfícies podem prejudicar o pequeno comércio. O maior risco, porém, é a
viciação no êxito aparente, a complacência com os problemas estruturais da
sociedade, a auto-indulgência.
Um projecto destes só se concretizará plenamente
no dia em que o progresso a torne inútil. Está inscrito na sua missão. É bom
recordá-lo, para evitar desvios que o esgotem no assistencialismo. Para discutir
estes temas não é preciso nem insultar nem deixar de reconhecer mérito à
actividade de-senvolvida pelo BA e ao papel que Isabel Jonet nela tem tido. Essa
não é a maneira de ver e pensar de uns tantos? O grave não é a divergência de
pontos de vista, mas a forma como se procura condicionar, por pressão mediática,
todos quantos fujam a esse paradigma de pensamento único, politicamente
correcto. Uma comunicação social em crise, ávida de soundbites, torna-se presa
fácil deste processo quando, pelo contrário, dela se esperaria que fosse
criteriosa, criando as condições para um confronto equilibrado (e civilizado) de
posições. Não entrando na polémica, mas não a ignorando, o JN teve, pela pena do
seu director e pelo noticiário produzido, uma posição exemplar. Chapeau.
Interessante é verificar que quem ateia as fogueiras digitais da nova
inquisição reage com indignação quando são eles a estar na berlinda. O alarido à
volta de uma tese sobre a TDT defendida na Universidade do Minho é um bom
exemplo. O investigador procura demonstrar que terá havido captura do regulador
por parte da PT. Partindo de fundamentos teóricos consagrados, desenvolve uma
metodologia empírica discutível e produz, em minha opinião, evidência frágil.
Não obstante, uma jornalista do "Público" não hesitou em titular que a tese
REVELAVA que a ANACOM favoreceu a PT. Talvez entusiasmado com a cobertura
jornalística, o autor do estudo carregou numa tecla que na tese apenas aflora: a
passagem da captura à corrupção, baseando-se no que é dito por esse bastião da
ciência que se chama Transparency International. Não foi cauteloso, nem
rigoroso. Passou para o domínio da opinião, sem qualquer fundamentação
científica. Ao fazê-lo, pôs em causa o bom nome de instituições e pessoas. Quem
não se sente......Quer a PT como a ANACOM anunciaram que estavam a considerar
accionar o autor das declarações (com todas as limitações que tem, não creio que
o possam fazer baseados no estudo). Tanto bastou para que surgisse mais uma
petição inflamada a exigir a liberdade de investigação científica, como se de
Ciência se estivesse a tratar. Curiosamente, no texto não há uma referência ao
papel da ética na investigação. Siga o circo.
Retirada daqui