quarta-feira, 14 de novembro de 2012

NÃO HÁ NATAL MAS HÁ CIRCO


"Não há dinheiro, não há prendas, não há Natal" foi a resposta taxativa de uma das inquiridas sobre se ia gastar menos em presentes. A festa da família reduzida ao consumo.

Recordei estas afirmações quando algumas declarações simplistas de Isabel Jonet deram o pretexto à polícia dos costumes que se acoita na Internet para os habituais insultos e pedidos de demissão solenizados, desta feita em petições públicas. 

É que parte substancial do que a presidente do Banco Alimentar (BA) disse (e que muitos, como de costume, nem ouviram nem quiseram ouvir) traduzia um apelo à recusa da alienação consumista, para usar termos caros aos seus críticos, a revermos comportamentos, em particular no que toca a gastos, a encontrarmos alternativas.

Os exemplos que deu foram desajeitados, mas o que enfureceu os censores foi a sua chamada à responsabilidade, individual ou colectiva, fora da tutela do Estado - se dúvidas houvesse, veja-se como termina o texto de uma das petições. O que torna Jonet num alvo odiado é o sucesso do BA, a sua capacidade de mobilização de donativos e pessoas, o seu impacto por esse país fora e de tudo isso não passar pela sacrossanta mão longa estatal e, pior ainda, de contrariar o "quanto pior, melhor", motor da revolução.

Uma iniciativa como o BA não está isenta de problemas. A sua mediatização pode degenerar no hegemonismo, secando outras iniciativas com menos visibilidade, mas não menos mérito. As campanhas centradas nas grandes superfícies podem prejudicar o pequeno comércio. O maior risco, porém, é a viciação no êxito aparente, a complacência com os problemas estruturais da sociedade, a auto-indulgência. 

Um projecto destes só se concretizará plenamente no dia em que o progresso a torne inútil. Está inscrito na sua missão. É bom recordá-lo, para evitar desvios que o esgotem no assistencialismo. Para discutir estes temas não é preciso nem insultar nem deixar de reconhecer mérito à actividade de-senvolvida pelo BA e ao papel que Isabel Jonet nela tem tido. Essa não é a maneira de ver e pensar de uns tantos? O grave não é a divergência de pontos de vista, mas a forma como se procura condicionar, por pressão mediática, todos quantos fujam a esse paradigma de pensamento único, politicamente correcto. Uma comunicação social em crise, ávida de soundbites, torna-se presa fácil deste processo quando, pelo contrário, dela se esperaria que fosse criteriosa, criando as condições para um confronto equilibrado (e civilizado) de posições. Não entrando na polémica, mas não a ignorando, o JN teve, pela pena do seu director e pelo noticiário produzido, uma posição exemplar. Chapeau.

Interessante é verificar que quem ateia as fogueiras digitais da nova inquisição reage com indignação quando são eles a estar na berlinda. O alarido à volta de uma tese sobre a TDT defendida na Universidade do Minho é um bom exemplo. O investigador procura demonstrar que terá havido captura do regulador por parte da PT. Partindo de fundamentos teóricos consagrados, desenvolve uma metodologia empírica discutível e produz, em minha opinião, evidência frágil. Não obstante, uma jornalista do "Público" não hesitou em titular que a tese REVELAVA que a ANACOM favoreceu a PT. Talvez entusiasmado com a cobertura jornalística, o autor do estudo carregou numa tecla que na tese apenas aflora: a passagem da captura à corrupção, baseando-se no que é dito por esse bastião da ciência que se chama Transparency International. Não foi cauteloso, nem rigoroso. Passou para o domínio da opinião, sem qualquer fundamentação científica. Ao fazê-lo, pôs em causa o bom nome de instituições e pessoas. Quem não se sente......Quer a PT como a ANACOM anunciaram que estavam a considerar accionar o autor das declarações (com todas as limitações que tem, não creio que o possam fazer baseados no estudo). Tanto bastou para que surgisse mais uma petição inflamada a exigir a liberdade de investigação científica, como se de Ciência se estivesse a tratar. Curiosamente, no texto não há uma referência ao papel da ética na investigação. Siga o circo.

Retirada daqui