Por escritura pública de
justificação notarial, outorgada em 3 de Maio deste ano, a Fábrica da Igreja
Paroquial de Freguesia de Oiã declarou-se dona e legítima possuidora, com
exclusão de outrem, do prédio urbano denominado ‘Capela Nossa Senhora das
Febres’ sito no lugar de Perrães, prédio este de rés-do-chão e adro e que,
sendo destinado ao culto católico, tem a superfície descoberta de 169m2 e
descoberta de 800m2, confrontando no seu todo a norte e a poente com a Rua
Principal de Perrães, a sul com a Rua Professor Martins, e a nascente com a
Travessa Nossa Senhora das Febres.
Ocorre que esta
configuração é parcialmente contestada por quem entende que não corresponde à
verdade material dos factos, a declaração que refere que há mais de cinquenta
anos que a justificante (a Fábrica da Igreja Paroquial de Freguesia de Oiã), vem
exercendo a posse e fruição do referido adro, em nome próprio, ocupando-o e
cuidando-o com a consciência de não estar a prejudicar quem quer que seja.
Dito de outro modo, ao
arrogar a exclusividade dessa utilização para a Igreja e para os paroquianos
locais, o que a declaração da Fábrica da Igreja Paroquial de Freguesia de Oiã
põe em causa é a utilização do referido adro para diversos fins e em exclusivo
por parte da comunidade de Perrães.
Na verdade, ao fazer
esta declaração, o que a justificante (a Fábrica da Igreja Paroquial de
Freguesia de Oiã), quis significar é que há mais de cinquenta anos sempre
cuidou e ocupou o adro em causa e dele colheu todos os proveitos, fazendo-o com
exclusão de quem quer que fosse e à vista de toda a gente, em particular, de
supostos interessados, assim actuando de forma consecutiva, ou seja, sem
qualquer interrupção no tempo, sempre sem usar de qualquer coacção e sem que
alguma vez alguém se tivesse oposto à sua actuação, fosse esta pessoal ou exercida
por intermédio de outrem. E por via disso, e à falta de melhor título que não fosse
a usucapião, a justificante (a Fábrica da Igreja Paroquial de Freguesia de Oiã)
declarou-se proprietária legítima, não só do indicado templo mas também do
mencionado adro.
Acontece porém que a
justificação do adro da Capela Nossa Senhora das Febres é um entre tantos
outros actos notariais que por esse país fora têm sido feitos pelas fábricas
das igrejas paroquiais de diversas freguesias.
Daí que, não podendo
deixar de ser analisada de forma consentânea com a legislação em vigor, esta
questão relativa aos adros das capelas não deixa de ser uma verdadeira a intrincada
vexata quaestio.
Sufragando a posição
assumida pelas justificantes (as fábricas das igrejas paroquiais das freguesias),
importa ter presente o nº 1 do artigo 204º do Código Civil que enumera, de forma
taxativa, o que são coisas imóveis, encontrando-se logo na sua alínea a) “Os
prédios rústicos e urbanos”. Ora, segundo o nº 2 deste artigo, “Entende-se por prédio rústico uma parte
delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia
económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os
terrenos que lhe sirvam de logradouro”.
E porque assim é, o
que há a considerar é que os adros são terrenos que servem de logradouros às capelas, pelo que fazem parte dos prédios urbanos “capelas”. Aliás, o termo adro é
tido como “terreno em frente ou à volta da igreja” (in Dicionários Editora,
“Dicionário da Língua Portuguesa”, 6ª edição, pág. 41).
Para além disso,
importa ter presente o nº 1 do artigo 12º do Código do Imposto Municipal Sobre
Imóveis, nos termos do qual “as matrizes
prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos
prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos
proprietários e, sendo caso disso, os usufrutuários e superficiários”.
No caso concreto do adro
da Capela Nossa Senhora das Febres, é certo que o prédio em causa está inscrito
na matriz predial urbana da freguesia de Oiã sob o artigo 1726º, em observância
do nº 2 daquele preceito, e assim, o que daqui se conclui é que tendo a justificante (a
Fábrica da Igreja Paroquial de Freguesia de Oiã) exercido actos de posse sobre
a capela (propriamente dita), conducentes ao reconhecimento do seu direito de
propriedade sobre a mesma – aquisição originária, na modalidade da usucapião –,
tal facto conduzirá, por si só, e independentemente de actos de posse sobre
parte do terreno adjacente, que se considere ser proprietária do prédio urbano
constituído por “capela e adro”.
Se assim não fosse, estar-se-ia
a violar o artigo 209º do referido Código, o qual prescreve que ”São divisíveis as coisas que podem ser
fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo
para o uso a que se destinam”, por não estar demonstrado que o imóvel em
causa é juridicamente susceptível de divisão; basta, aliás, recordar a lição do
Prof. Manuel de Andrade, que fez notar que os prédios urbanos são, em regra,
indivisíveis (cfr. “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. I, pág. 257).
Com efeito, para que
uma “coisa” possa ser tida como divisível, necessário se torna que estejam reunidos
os requisitos do referido artigo 209º, isto é: são divisíveis juridicamente as
coisas que possam ser cindidas em partes, sem que percam a substância, sem que
se reduza o seu valor e sem que o seu uso próprio seja prejudicado.
No entanto, não é isto
que acontece, quer em relação ao adro da Capela Nossa Senhora das Febres, sita
no lugar de Perrães, quer à generalidade dos adros das diversas capelas, razão
pela qual se torna irreal falar em usucapião de uma parte de uma coisa
indivisível.
Daí que, por força do
instituto da usucapião, a propriedade se tenha consolidado em relação ao todo,
precisamente por se tratar de um prédio único, assim se encontrando inscrito nas
matrizes prediais urbanas das diversas freguesias a favor das justificantes fábricas
das igrejas paroquiais das freguesias.
A tudo isto pode, como no caso concreto ao adro da Capela Nossa Senhora das Febres, acrescer um facto tão importante quão pertinente, e que
respeita ao efeito do registo predial. Efectivamente, depois da publicação na
imprensa local dos extractos das escrituras notariais outorgadas, não tendo ocorrido
qualquer impugnação no prazo legal de 30 dias, a propriedade dos prédios
justificados pode ser registada a favor das justificantes fábricas das igrejas
paroquiais das diversas freguesias.
E assim, por força
deste registo, as justificantes beneficiam da presunção de propriedade derivada
consagrada no artigo 7º do Código de Registo Predial, cabendo aos eventuais
impugnantes dessa titularidade o ónus de ilidir aquela presunção, mediante
prova em contrário, nos termos do artigo 350º, nº 2 do Código Civil.
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