terça-feira, 20 de novembro de 2012

I - OS ADROS DAS CAPELAS: PROPRIEDADE PRIVADA DAS FÁBRICAS DAS IGREJAS PAROQUIAIS?

Por escritura pública de justificação notarial, outorgada em 3 de Maio deste ano, a Fábrica da Igreja Paroquial de Freguesia de Oiã declarou-se dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, do prédio urbano denominado ‘Capela Nossa Senhora das Febres’ sito no lugar de Perrães, prédio este de rés-do-chão e adro e que, sendo destinado ao culto católico, tem a superfície descoberta de 169m2 e descoberta de 800m2, confrontando no seu todo a norte e a poente com a Rua Principal de Perrães, a sul com a Rua Professor Martins, e a nascente com a Travessa Nossa Senhora das Febres.

Para quem conhece o local, a implantação do referido prédio da forma como está identificado na referida escritura de justificação, configura o templo propriamente dito, e o adro que o envolve até aos arruamentos limítrofes.

Ocorre que esta configuração é parcialmente contestada por quem entende que não corresponde à verdade material dos factos, a declaração que refere que há mais de cinquenta anos que a justificante (a Fábrica da Igreja Paroquial de Freguesia de Oiã), vem exercendo a posse e fruição do referido adro, em nome próprio, ocupando-o e cuidando-o com a consciência de não estar a prejudicar quem quer que seja.

Dito de outro modo, ao arrogar a exclusividade dessa utilização para a Igreja e para os paroquianos locais, o que a declaração da Fábrica da Igreja Paroquial de Freguesia de Oiã põe em causa é a utilização do referido adro para diversos fins e em exclusivo por parte da comunidade de Perrães.
Na verdade, ao fazer esta declaração, o que a justificante (a Fábrica da Igreja Paroquial de Freguesia de Oiã), quis significar é que há mais de cinquenta anos sempre cuidou e ocupou o adro em causa e dele colheu todos os proveitos, fazendo-o com exclusão de quem quer que fosse e à vista de toda a gente, em particular, de supostos interessados, assim actuando de forma consecutiva, ou seja, sem qualquer interrupção no tempo, sempre sem usar de qualquer coacção e sem que alguma vez alguém se tivesse oposto à sua actuação, fosse esta pessoal ou exercida por intermédio de outrem. E por via disso, e à falta de melhor título que não fosse a usucapião, a justificante (a Fábrica da Igreja Paroquial de Freguesia de Oiã) declarou-se proprietária legítima, não só do indicado templo mas também do mencionado adro.

Acontece porém que a justificação do adro da Capela Nossa Senhora das Febres é um entre tantos outros actos notariais que por esse país fora têm sido feitos pelas fábricas das igrejas paroquiais de diversas freguesias.

Daí que, não podendo deixar de ser analisada de forma consentânea com a legislação em vigor, esta questão relativa aos adros das capelas não deixa de ser uma verdadeira a intrincada vexata quaestio.

Sufragando a posição assumida pelas justificantes (as fábricas das igrejas paroquiais das freguesias), importa ter presente o nº 1 do artigo 204º do Código Civil que enumera, de forma taxativa, o que são coisas imóveis, encontrando-se logo na sua alínea a) “Os prédios rústicos e urbanos”. Ora, segundo o nº 2 deste artigo, “Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”.

E porque assim é, o que há a considerar é que os adros são terrenos que servem de logradouros às capelas, pelo que fazem parte dos prédios urbanos “capelas”. Aliás, o termo adro é tido como “terreno em frente ou à volta da igreja” (in Dicionários Editora, “Dicionário da Língua Portuguesa”, 6ª edição, pág. 41).

Para além disso, importa ter presente o nº 1 do artigo 12º do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis, nos termos do qual “as matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, os usufrutuários e superficiários”.

No caso concreto do adro da Capela Nossa Senhora das Febres, é certo que o prédio em causa está inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Oiã sob o artigo 1726º, em observância do nº 2 daquele preceito, e assim, o que daqui se conclui é que tendo a justificante (a Fábrica da Igreja Paroquial de Freguesia de Oiã) exercido actos de posse sobre a capela (propriamente dita), conducentes ao reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a mesma – aquisição originária, na modalidade da usucapião –, tal facto conduzirá, por si só, e independentemente de actos de posse sobre parte do terreno adjacente, que se considere ser proprietária do prédio urbano constituído por “capela e adro”.
Se assim não fosse, estar-se-ia a violar o artigo 209º do referido Código, o qual prescreve que ”São divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam”, por não estar demonstrado que o imóvel em causa é juridicamente susceptível de divisão; basta, aliás, recordar a lição do Prof. Manuel de Andrade, que fez notar que os prédios urbanos são, em regra, indivisíveis (cfr. “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. I, pág. 257).

Com efeito, para que uma “coisa” possa ser tida como divisível, necessário se torna que estejam reunidos os requisitos do referido artigo 209º, isto é: são divisíveis juridicamente as coisas que possam ser cindidas em partes, sem que percam a substância, sem que se reduza o seu valor e sem que o seu uso próprio seja prejudicado.

No entanto, não é isto que acontece, quer em relação ao adro da Capela Nossa Senhora das Febres, sita no lugar de Perrães, quer à generalidade dos adros das diversas capelas, razão pela qual se torna irreal falar em usucapião de uma parte de uma coisa indivisível.

Daí que, por força do instituto da usucapião, a propriedade se tenha consolidado em relação ao todo, precisamente por se tratar de um prédio único, assim se encontrando inscrito nas matrizes prediais urbanas das diversas freguesias a favor das justificantes fábricas das igrejas paroquiais das freguesias.

A tudo isto pode, como no caso concreto ao adro da Capela Nossa Senhora das Febres, acrescer um facto tão importante quão pertinente, e que respeita ao efeito do registo predial. Efectivamente, depois da publicação na imprensa local dos extractos das escrituras notariais outorgadas, não tendo ocorrido qualquer impugnação no prazo legal de 30 dias, a propriedade dos prédios justificados pode ser registada a favor das justificantes fábricas das igrejas paroquiais das diversas freguesias.

E assim, por força deste registo, as justificantes beneficiam da presunção de propriedade derivada consagrada no artigo 7º do Código de Registo Predial, cabendo aos eventuais impugnantes dessa titularidade o ónus de ilidir aquela presunção, mediante prova em contrário, nos termos do artigo 350º, nº 2 do Código Civil.

A aceitação desta realidade implica, necessariamente, o reconhecimento implícito de outras, designadamente as que decorrem do âmbito do direito de propriedade exclusiva, por parte das fábricas das igrejas paroquiais das freguesias, dos adros das respectivas capelas, assim configurados como bens privados, designadamente os direitos de uso e fruição, negociação e oneração, defesa e reivindicação, tapagem e vedação,  construção, edificação e arborização.

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